ENTRADA DE INDÚSTRIA NUMA PERPECTIVA LUSO-BRASILEIRA
Introdução
A figura do empresário guarda sumular importância na sociedade. Dentre tantas atividades realizadas em sociedade, continua ele a ser um importante propulsor na circulação de riquezas. O empreendimento comercial faz girar a máquina econômica, produzindo recursos para si e para o Estado, ao tempo em que faz chegar ao consumidor os bens que deseja adquirir.
Por sua importância, sempre foi objeto de estudo das áreas econômicas e jurídicas, pois seus atos estreitam as relações entre indivíduos e também entre Estados. Hoje mais que nunca, tendo em vista a globalização da economia.
Livros foram escritos formulando teses inúmeras sobre seu papel, enquanto sujeito de direitos e obrigações, acompanhando as regulamentações legais que se fizeram processar ao longo de anos incontáveis em diversos países.
A evolução das relações comerciais aprimorou o empresário, ainda chamado comerciante, razão pela qual nesse opúsculo usar-se-á um ou outro vernáculo em sentido similar, no seu trato com clientes e até com outros empresários, sempre com o intuito de obter o lucro, seu principal objetivo, além da inegável contribuição que costumeiramente levou para os cenários onde atua.
Mas o empreendimento comercial por seu crescimento e por sempre precisar de recursos para sua execução nem sempre contou com os auxílios governamentais, como hoje tem se sucedido, mais uma vez um reconhecimento por parte do Estado acerca da atividade desenvolvida pelo comerciante, antes contara com a associação de indivíduos que unidos pela idéia de lucro se reuniam para juntar esforços para exercer a atividade comercial.
Essa associação se dava ora com somas de dinheiro para aquisição de mercadorias, ora com a participação mais direta do sócio, através de seu esforço pessoal quando se reconhecia que sua força de trabalho contava tanto quanto a pecúnia investida no negócio. Chega-se assim à indústria, força de trabalho ou serviços prestados pelo comerciante que aliava seu labor ao investimento financeiro para perseguir a finalidade da empresa, qual seja o lucro.
Para este trabalho delimitar-se-á o campo de análise das entradas de indústria na formação do capital social das empresas, ou sociedades comerciais. Será feita uma leitura sobre a doutrina, legislação e jurisprudência de Brasil e Portugal dentro de um estudo comparado para ao final se concluir sobre as nuances desse instituto jurídico.
Sociedade Comercial
A sociedade comercial é um produto da evolução da prática comercial. O comerciante inicia sua atividade muita vez com recursos próprios e assim empreende sua atividade para buscar seu lucro numa ação solitária. Mas conforme essa atuação se desenvolve mais dinheiro se precisa investir, ou esforços devem ser agremiados para alcançar seus objetivos. Precisa, pois, se unir a indivíduos que tenham o mesmo interesse com as afinidades indiretas que acompanham essa relação. Esses indivíduos ora se chegam com dinheiro, ora com seu esforço pessoal. Nasce assim a sociedade comercial.
A doutrina, dentro da perspectiva histórica da evolução dessas sociedades, alicerçada pelos diversos diplomas legais que foram erigidos no afã de regular a atividade empresarial, esboçou conceito sobre a instituição, com mais ou menos elementos, mas sempre correspondente com seu desenvolvimento temporal.
Assim é que Paulo Olavo Cunha , analisando os artigos 230 e 980 e do Código Comercial português, conceitua sociedade comercial como aquela que sempre se proponha a realização de atos de comércio ou de uma atividade empresarial.
Entre os brasileiros, Fran Martins , indo além do Doutor lusitano, define-a como a <>. Pertinente o conceito do mestre brasileiro, pois neste ele aponta a presença da força de trabalho, ou indústria, como componente da formação da sociedade comercial.
Já aqui cabe anotar a discordância sobre uso da denominação sociedade comercial que faz Fábio Ulhoa Coelho para quem, mesmo discordando de outra denominação hoje utilizada em face do novo Código Civil Brasileiro – sociedade empresarial – acha mais correto dizer sociedade empresária, aludindo ao fato de que a sociedade é pessoa jurídica, singular, e sendo assim é ela empresária e não os sócios.
O Código Civil Brasileiro, com novo corpo apresentado pela Lei Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 ao dispor sobre direito empresarial, revogando assim as disposições do vestuto Código Comercial brasileiro de 1850, em seu art. 981 define que <>.
Seja sociedade comercial, empresária ou empresarial, o que se entende dos conceitos acima é que a sociedade se caracteriza pelo acordo de vontades de indivíduos que somam seus esforços, seja através de bens ou serviço para o exercício de atividade econômica com fim de alcançar lucros.
Dentro do conjunto de elementos que compõem o conceito de sociedade empresarial está a ideia de indústria ou serviço.
A indústria vem a ser a capacidade de trabalho que o sócio leva para a sociedade para auxiliar no desiderato de perseguir o objetivo daquela. Se lhe falta o recurso financeiro, entra-se com o esforço laboral que se soma ao dinheiro de outros sócios.
Ver-se-á adiante que a lei não permite o ingresso em capital social de serviço de sócio em toda e qualquer sociedade comercial.
Das Sociedades que Admitem a Indústria
Ante a singeleza que reveste este trabalho acadêmico não se poderá analisar todas as espécies de sociedade comercial, pelo que se deterá especificamente no arrolamento sucinto das que são compatíveis com a indústria ou prestação de serviços.
Nos termos do Código de Sociedades Comerciais português, as sociedades que podem contar com capital formado por indústria é a em nome coletivo e a em comandita simples. É o que se absorve da leitura dos arts. 178 e 472, 3 daquele diploma legal.
Nas demais existe previsão expressa da proibição de uso de indústria na formação do capital como, por exemplo, a da sociedade por quota, nos termos do art. 202, 1 do Código de Sociedades Comerciais.
O Código Civil Brasileiro, embora, como já se tenha apontado alhures, tenha contemplado no conceito de contrato de sociedade comercial a ideia da indústria, ou prestação de serviço para compor o capital social, não permite a utilização da prestação de serviços para formação de capital em todas as sociedades. Assim é que expressamente se permite no caso da sociedade simples, v. art. 997, inciso V , as sociedades em nome coletivo, consoante se interpreta do art. 1041 .
O Capital Social
Já se disse que para alcançar seus fins, a sociedade comercial precisa de meios para concretizá-los. Para tanto lança mão da utilização de bens ou serviços. Os bens e serviços incorporados à sociedade recebem o nome de capital social. Melhor se for feita uma leitura do conceito que autores portugueses e brasileiros fazem desse instituto.
O professor Paulo de Tarso Domingues ao analisar o conceito de capital social na doutrina, na lei e na jurisprudência chega à conclusão que não se pode chegar a uma definição definitiva. Existem inúmeras posições doutrinárias relevantes que encaram o capital social sob perspectivas diferentes, como também a legislação ao tratar do instituto apresenta noções díspares, de maneira que a jurisprudência também termina por não apresentar uma solução pacífica.
Por outro lado como atesta Domingues , ao concluir sobre os diversos conceitos e posições sobre o tema, o capital social se cobre de uma vertente formal, sendo ele um elemento do pacto social representado por uma cifra numérica que alude às participações sociais balizadas em entrada de bens; e uma real, representando o conjunto de bens destinados a garantir a sobrevivência da sociedade e do negócio.
Entre os brasileiros colaciona-se posição de Gladston Mamede para quem o capital social seria o volume de investimentos destinados a consecução dos fins sociais, representado por dinheiro, preferencialmente, por bens e até trabalho.
Entrada de indústria
A entrada de indústria consistiria na participação em capital social pelo sócio através de seu trabalho.
O Código das Sociedades Comerciais português dispõe em seu art. 20º que os sócios poderão contribuir para o capital social com seu trabalho, dentro daquelas sociedades compatíveis com o instituto, como referimos anteriormente.
Na esteira do mesmo dispositivo, tem-se que um dos efeitos deste tipo de entrada é impossibilitar que o sócio de indústria participe das perdas do negócio. É o que se infere da alínea b daquele dispositivo.
Outro efeito da entrada do sócio de indústria da sociedade é que, para sua participação, as dos sócios de capital serão reduzidas suas participações proporcionalmente para adequar o de indústria, conforme se vê no art. 136º do Código de Sociedades .
Já o artigo 176º , ao tratar das sociedades em nome coletivo, prescreve que à entrada de indústria quando da dissertação do contrato deve ser atribuído valor financeiro para efeitos de distribuição de lucros.
Por seu turno o art. 178 determina ainda que a participação do sócio de indústria não fará parte do capital social. Esclarece mais, que somente ele participará das perdas sociais se for expresso no contrato. Ocorrendo a previsão contratual, deverá ser reservada uma parte do capital social que corresponda àquela obrigação, conforme se depreende dos itens 2 e 3 do mesmo artigo.
Em outros tipos de sociedade não são permitidas a participação de indústria como bem se viu ao se tratar das sociedades que admitem a indústria. É que, conforme preleciona Domingues essas entradas são de difícil avaliação tanto por sua natureza quanto pela dificuldade que se tem em determinar o tempo de sua duração.
Em face do Código Civil Brasileiro em seu art. 997, ao regular as sociedades personificadas, deverá o contrato prever as prestações para formação do capital do sócio prestador de serviços.
Um outro efeito da entrada de indústria pela lei brasileira é que esse sócio não poderá, a menos que haja disposição contratual diversa, exercer atividade estranha à sociedade, sob pena de não participar dos lucros, segundo se lê no art. 1006 daquele diploma legal.
Ao se partilhar os lucros com o sócio de indústria, este receberá seus dividendos na proporção da média do valor das quotas de capital, inteligência do art. 1007 daquela norma.
A jurisprudência brasileira tem decidido sobre a questão em diversos aspectos é o caso do recurso 9065959862005826 SP 9065959-86.2005.8.26.0000 cuja relatora foi a ministra Christine Santini Anafe.
Naquele caso se decidiu que deveria haver a dissolução da empresa com liquidação e divisão de haveres iguais entre sócios de capital e de indústria.
Já no caso do recurso 762081 PR Apelação Cível - 0076208-1 em que foi Relator o Ministro Sérgio Rodrigues a questão se mostrou de forma diferente, onde ficou decido que a quota do sócio de indústria não poderia ser equiparada a do sócio de capital, pois seu trabalho não teria como ser convertido em dinheiro. Note-se que essa decisão foi exarada antes da vigência do novo Código Civil que é de 2002. Mas demonstra a evolução de pensamento do judiciário quanto ao tratamento do sócio de indústria.
Conclusão
As sociedades comerciais desempenham papel essencial na sociedade, realizando a circulação de riquezas, promovendo receita para o Estado e facilitando o acesso a produtos de interesses dos consumidores.
Para essas sociedades perseguirem seus fins necessitam de recursos que podem ser bens em espécie, dinheiro ou mesmo trabalho. Todas as contribuições podem ou não formar o capital social, mas univocamente são acionados para a consecução do objeto social.
Singular é a participação do sócio de indústria que leva sua força de trabalho para a sociedade.
O sócio de indústria, figura presente tanto no Direito Brasileiro quanto no Direito Português é limitado a alguns tipos societários, no caso, as sociedades em nome coletivo e a de comandita simples, sendo vedada em outros tipos societários.
A entrada de indústria nesses tipos societários permite que o sócio desse tipo receba sua parte dos lucros, mas sempre proporcional a média das quotas sociais dos sócios de capital.
Em regra não se permite sua participação nas perdas da empresa, salvo se houver estipulação expressa em contrário, devendo o contrato social prever como se dará essa obrigação.
Esse tipo de sócio, apesar de previsto no ordenamento jurídico dos dois países, está em franco desuso, tendo em vista não se poder avaliar financeiramente o valor da entrada na formação do capital social, também por que não se permite que o mesmo responda na mesma forma dos demais pelas perdas sociais, o que pode gerar uma situação de desequilíbrio entre os sócios.
Referências Bibliográficas
ANGHER, Anne Joyce. Organização. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª Ed. Rideel. São Paulo. 2011;
DOMINGUES, Paulo de Tarso. Do Capital Social Nocões, Princípios e Funções. 2ª ed. Coimbra Editora. Coimbra. 2004;
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro : direito societário : sociedade simples e empresárias. Volume 2. Atlas. São Paulo. 2004.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 1. Saraiva. São Paulo. 2007;
CUNHA, Paulo Olavo. Lições de Direito Comercial. Almedina. Coimbra. 2010;
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 22ª ed. Forense. Rio de Janeiro. 1997;
(9065959862005826 SP 9065959-86.2005.8.26.0000, Relator: Christine Santini Anafe, Data de Julgamento: 28/01/2011, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/02/2011)
".(762081 PR Apelação Cível - 0076208-1, Relator: Sérgio Rodrigues, Data de Julgamento: 07/06/1995, Quarta Câmara Cível (extinto TA))
PORTUGAL. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS. Decreto-Lei n.º 262/86 de 02 de Setembro.
BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. DOU 11/1/2002. Institui o Código Civil.
A figura do empresário guarda sumular importância na sociedade. Dentre tantas atividades realizadas em sociedade, continua ele a ser um importante propulsor na circulação de riquezas. O empreendimento comercial faz girar a máquina econômica, produzindo recursos para si e para o Estado, ao tempo em que faz chegar ao consumidor os bens que deseja adquirir.
Por sua importância, sempre foi objeto de estudo das áreas econômicas e jurídicas, pois seus atos estreitam as relações entre indivíduos e também entre Estados. Hoje mais que nunca, tendo em vista a globalização da economia.
Livros foram escritos formulando teses inúmeras sobre seu papel, enquanto sujeito de direitos e obrigações, acompanhando as regulamentações legais que se fizeram processar ao longo de anos incontáveis em diversos países.
A evolução das relações comerciais aprimorou o empresário, ainda chamado comerciante, razão pela qual nesse opúsculo usar-se-á um ou outro vernáculo em sentido similar, no seu trato com clientes e até com outros empresários, sempre com o intuito de obter o lucro, seu principal objetivo, além da inegável contribuição que costumeiramente levou para os cenários onde atua.
Mas o empreendimento comercial por seu crescimento e por sempre precisar de recursos para sua execução nem sempre contou com os auxílios governamentais, como hoje tem se sucedido, mais uma vez um reconhecimento por parte do Estado acerca da atividade desenvolvida pelo comerciante, antes contara com a associação de indivíduos que unidos pela idéia de lucro se reuniam para juntar esforços para exercer a atividade comercial.
Essa associação se dava ora com somas de dinheiro para aquisição de mercadorias, ora com a participação mais direta do sócio, através de seu esforço pessoal quando se reconhecia que sua força de trabalho contava tanto quanto a pecúnia investida no negócio. Chega-se assim à indústria, força de trabalho ou serviços prestados pelo comerciante que aliava seu labor ao investimento financeiro para perseguir a finalidade da empresa, qual seja o lucro.
Para este trabalho delimitar-se-á o campo de análise das entradas de indústria na formação do capital social das empresas, ou sociedades comerciais. Será feita uma leitura sobre a doutrina, legislação e jurisprudência de Brasil e Portugal dentro de um estudo comparado para ao final se concluir sobre as nuances desse instituto jurídico.
Sociedade Comercial
A sociedade comercial é um produto da evolução da prática comercial. O comerciante inicia sua atividade muita vez com recursos próprios e assim empreende sua atividade para buscar seu lucro numa ação solitária. Mas conforme essa atuação se desenvolve mais dinheiro se precisa investir, ou esforços devem ser agremiados para alcançar seus objetivos. Precisa, pois, se unir a indivíduos que tenham o mesmo interesse com as afinidades indiretas que acompanham essa relação. Esses indivíduos ora se chegam com dinheiro, ora com seu esforço pessoal. Nasce assim a sociedade comercial.
A doutrina, dentro da perspectiva histórica da evolução dessas sociedades, alicerçada pelos diversos diplomas legais que foram erigidos no afã de regular a atividade empresarial, esboçou conceito sobre a instituição, com mais ou menos elementos, mas sempre correspondente com seu desenvolvimento temporal.
Assim é que Paulo Olavo Cunha , analisando os artigos 230 e 980 e do Código Comercial português, conceitua sociedade comercial como aquela que sempre se proponha a realização de atos de comércio ou de uma atividade empresarial.
Entre os brasileiros, Fran Martins , indo além do Doutor lusitano, define-a como a <
Já aqui cabe anotar a discordância sobre uso da denominação sociedade comercial que faz Fábio Ulhoa Coelho para quem, mesmo discordando de outra denominação hoje utilizada em face do novo Código Civil Brasileiro – sociedade empresarial – acha mais correto dizer sociedade empresária, aludindo ao fato de que a sociedade é pessoa jurídica, singular, e sendo assim é ela empresária e não os sócios.
O Código Civil Brasileiro, com novo corpo apresentado pela Lei Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 ao dispor sobre direito empresarial, revogando assim as disposições do vestuto Código Comercial brasileiro de 1850, em seu art. 981 define que <
Seja sociedade comercial, empresária ou empresarial, o que se entende dos conceitos acima é que a sociedade se caracteriza pelo acordo de vontades de indivíduos que somam seus esforços, seja através de bens ou serviço para o exercício de atividade econômica com fim de alcançar lucros.
Dentro do conjunto de elementos que compõem o conceito de sociedade empresarial está a ideia de indústria ou serviço.
A indústria vem a ser a capacidade de trabalho que o sócio leva para a sociedade para auxiliar no desiderato de perseguir o objetivo daquela. Se lhe falta o recurso financeiro, entra-se com o esforço laboral que se soma ao dinheiro de outros sócios.
Ver-se-á adiante que a lei não permite o ingresso em capital social de serviço de sócio em toda e qualquer sociedade comercial.
Das Sociedades que Admitem a Indústria
Ante a singeleza que reveste este trabalho acadêmico não se poderá analisar todas as espécies de sociedade comercial, pelo que se deterá especificamente no arrolamento sucinto das que são compatíveis com a indústria ou prestação de serviços.
Nos termos do Código de Sociedades Comerciais português, as sociedades que podem contar com capital formado por indústria é a em nome coletivo e a em comandita simples. É o que se absorve da leitura dos arts. 178 e 472, 3 daquele diploma legal.
Nas demais existe previsão expressa da proibição de uso de indústria na formação do capital como, por exemplo, a da sociedade por quota, nos termos do art. 202, 1 do Código de Sociedades Comerciais.
O Código Civil Brasileiro, embora, como já se tenha apontado alhures, tenha contemplado no conceito de contrato de sociedade comercial a ideia da indústria, ou prestação de serviço para compor o capital social, não permite a utilização da prestação de serviços para formação de capital em todas as sociedades. Assim é que expressamente se permite no caso da sociedade simples, v. art. 997, inciso V , as sociedades em nome coletivo, consoante se interpreta do art. 1041 .
O Capital Social
Já se disse que para alcançar seus fins, a sociedade comercial precisa de meios para concretizá-los. Para tanto lança mão da utilização de bens ou serviços. Os bens e serviços incorporados à sociedade recebem o nome de capital social. Melhor se for feita uma leitura do conceito que autores portugueses e brasileiros fazem desse instituto.
O professor Paulo de Tarso Domingues ao analisar o conceito de capital social na doutrina, na lei e na jurisprudência chega à conclusão que não se pode chegar a uma definição definitiva. Existem inúmeras posições doutrinárias relevantes que encaram o capital social sob perspectivas diferentes, como também a legislação ao tratar do instituto apresenta noções díspares, de maneira que a jurisprudência também termina por não apresentar uma solução pacífica.
Por outro lado como atesta Domingues , ao concluir sobre os diversos conceitos e posições sobre o tema, o capital social se cobre de uma vertente formal, sendo ele um elemento do pacto social representado por uma cifra numérica que alude às participações sociais balizadas em entrada de bens; e uma real, representando o conjunto de bens destinados a garantir a sobrevivência da sociedade e do negócio.
Entre os brasileiros colaciona-se posição de Gladston Mamede para quem o capital social seria o volume de investimentos destinados a consecução dos fins sociais, representado por dinheiro, preferencialmente, por bens e até trabalho.
Entrada de indústria
A entrada de indústria consistiria na participação em capital social pelo sócio através de seu trabalho.
O Código das Sociedades Comerciais português dispõe em seu art. 20º que os sócios poderão contribuir para o capital social com seu trabalho, dentro daquelas sociedades compatíveis com o instituto, como referimos anteriormente.
Na esteira do mesmo dispositivo, tem-se que um dos efeitos deste tipo de entrada é impossibilitar que o sócio de indústria participe das perdas do negócio. É o que se infere da alínea b daquele dispositivo.
Outro efeito da entrada do sócio de indústria da sociedade é que, para sua participação, as dos sócios de capital serão reduzidas suas participações proporcionalmente para adequar o de indústria, conforme se vê no art. 136º do Código de Sociedades .
Já o artigo 176º , ao tratar das sociedades em nome coletivo, prescreve que à entrada de indústria quando da dissertação do contrato deve ser atribuído valor financeiro para efeitos de distribuição de lucros.
Por seu turno o art. 178 determina ainda que a participação do sócio de indústria não fará parte do capital social. Esclarece mais, que somente ele participará das perdas sociais se for expresso no contrato. Ocorrendo a previsão contratual, deverá ser reservada uma parte do capital social que corresponda àquela obrigação, conforme se depreende dos itens 2 e 3 do mesmo artigo.
Em outros tipos de sociedade não são permitidas a participação de indústria como bem se viu ao se tratar das sociedades que admitem a indústria. É que, conforme preleciona Domingues essas entradas são de difícil avaliação tanto por sua natureza quanto pela dificuldade que se tem em determinar o tempo de sua duração.
Em face do Código Civil Brasileiro em seu art. 997, ao regular as sociedades personificadas, deverá o contrato prever as prestações para formação do capital do sócio prestador de serviços.
Um outro efeito da entrada de indústria pela lei brasileira é que esse sócio não poderá, a menos que haja disposição contratual diversa, exercer atividade estranha à sociedade, sob pena de não participar dos lucros, segundo se lê no art. 1006 daquele diploma legal.
Ao se partilhar os lucros com o sócio de indústria, este receberá seus dividendos na proporção da média do valor das quotas de capital, inteligência do art. 1007 daquela norma.
A jurisprudência brasileira tem decidido sobre a questão em diversos aspectos é o caso do recurso 9065959862005826 SP 9065959-86.2005.8.26.0000 cuja relatora foi a ministra Christine Santini Anafe.
Naquele caso se decidiu que deveria haver a dissolução da empresa com liquidação e divisão de haveres iguais entre sócios de capital e de indústria.
Já no caso do recurso 762081 PR Apelação Cível - 0076208-1 em que foi Relator o Ministro Sérgio Rodrigues a questão se mostrou de forma diferente, onde ficou decido que a quota do sócio de indústria não poderia ser equiparada a do sócio de capital, pois seu trabalho não teria como ser convertido em dinheiro. Note-se que essa decisão foi exarada antes da vigência do novo Código Civil que é de 2002. Mas demonstra a evolução de pensamento do judiciário quanto ao tratamento do sócio de indústria.
Conclusão
As sociedades comerciais desempenham papel essencial na sociedade, realizando a circulação de riquezas, promovendo receita para o Estado e facilitando o acesso a produtos de interesses dos consumidores.
Para essas sociedades perseguirem seus fins necessitam de recursos que podem ser bens em espécie, dinheiro ou mesmo trabalho. Todas as contribuições podem ou não formar o capital social, mas univocamente são acionados para a consecução do objeto social.
Singular é a participação do sócio de indústria que leva sua força de trabalho para a sociedade.
O sócio de indústria, figura presente tanto no Direito Brasileiro quanto no Direito Português é limitado a alguns tipos societários, no caso, as sociedades em nome coletivo e a de comandita simples, sendo vedada em outros tipos societários.
A entrada de indústria nesses tipos societários permite que o sócio desse tipo receba sua parte dos lucros, mas sempre proporcional a média das quotas sociais dos sócios de capital.
Em regra não se permite sua participação nas perdas da empresa, salvo se houver estipulação expressa em contrário, devendo o contrato social prever como se dará essa obrigação.
Esse tipo de sócio, apesar de previsto no ordenamento jurídico dos dois países, está em franco desuso, tendo em vista não se poder avaliar financeiramente o valor da entrada na formação do capital social, também por que não se permite que o mesmo responda na mesma forma dos demais pelas perdas sociais, o que pode gerar uma situação de desequilíbrio entre os sócios.
Referências Bibliográficas
ANGHER, Anne Joyce. Organização. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª Ed. Rideel. São Paulo. 2011;
DOMINGUES, Paulo de Tarso. Do Capital Social Nocões, Princípios e Funções. 2ª ed. Coimbra Editora. Coimbra. 2004;
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro : direito societário : sociedade simples e empresárias. Volume 2. Atlas. São Paulo. 2004.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 1. Saraiva. São Paulo. 2007;
CUNHA, Paulo Olavo. Lições de Direito Comercial. Almedina. Coimbra. 2010;
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 22ª ed. Forense. Rio de Janeiro. 1997;
(9065959862005826 SP 9065959-86.2005.8.26.0000, Relator: Christine Santini Anafe, Data de Julgamento: 28/01/2011, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/02/2011)
".(762081 PR Apelação Cível - 0076208-1, Relator: Sérgio Rodrigues, Data de Julgamento: 07/06/1995, Quarta Câmara Cível (extinto TA))
PORTUGAL. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS. Decreto-Lei n.º 262/86 de 02 de Setembro.
BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. DOU 11/1/2002. Institui o Código Civil.
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