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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL E A CONVENÇÃO BRASIL - PORTUGAL

Introdução

O Mundo Globalizado alterou as fronteiras dos países. As relações se estreitaram de tal forma que há uma confusão de ideias e princípios entre Nações que antes pareciam distintas. A cultura de um povo não é mais sua exclusividade, podendo haver outros que comunguem, ou assim possam, das mesmas filosofias ou ideias políticas. O comércio nesse sítio descomunal é o que mais avança, levando produtos, influências e dinheiro. As grandes empresas não se limitam mais às fronteiras de seus territórios. Avançam no de outros lugares, levando grandes somas de capital, ou mesmo importando valores, sejam humanos, financeiros ou de bens. O crescimento dos interesses econômicos evolui de acordo com as oportunidades e mecanismos que possibilitem a aferição de lucro. Para gerar lucro querem contar com mão de obra acessível e qualificada, infra-estrutura adequada, mas principalmente redução de ônus fiscais. O planejamento fiscal hoje é um instrumento de uso frequente do comércio, procurando o empresário, formas de abater o máximo possível as despesas com o fisco. Há certa distinção de ações. Hora o fazem de maneira lícita, então teremos a elisão fiscal, onde de acordo com a lei, o contribuinte busca atuar no afã de reduzir suas despesas fiscais, hora, de maneira ilícita, e aqui se tem a evasão fiscal, o que não é aceito por nenhum ordenamento jurídico. No caso da elisão, é procedimento perfeitamente legal, o investimento em outro lugar que não o de origem do contribuinte que lhe acarrete despesas tributárias menores. Todavia, esse proceder não escapa de uma tributação insurgente tanto onde se localiza sua principal atividade como em outra onde pretende estendê-la, surgindo assim o fenômeno da dupla tributação.
Esse fenômeno jurídico, tratado assim, posto não ser necessariamente contrário à lei, é, por vez, avesso à economia e, portanto, à ideia de lucro. Desestimula a prática comercial que não raras vezes é o sustentáculo de várias economias. Mas as empresas não podem tratar diretamente com os Poderes Fazendários, posto se tratar de uma questão de soberania do país que as acolhe. Por outro lado, quando certas atividades econômicas ganham tamanha importância que exija a confluência dos Estados para fomentar seus mercados, esses podem intervir. Formulam, pois, tratados que, em prol dos interesses de ambos, possam amenizar ou eliminar, certas cobranças dos fiscos de um, de outro, ou dos dois, possibilitando dessa forma, a fluência do comércio, entre os dois países.
Os tratados internacionais ganham tremenda importância. São instrumentos, respaldados pelo Direito Internacional que, embora acordados entre dois Estados, acabam por beneficiar, ou ao menos deve ser assim, as empresas e o mercados, dos contratantes. Ganham mais relevância ainda quando servem de auxílio para as diversas autoridades fiscais para coibir a supressão ilícita de recursos destinados àquelas. Bem anotado é o entendimento de Márcio Ladeira Ávila para quem as convenções sobre dupla tributação internacional não apenas ajudam a amenizar ou eliminar aquele fenômeno, como também logra em instrumentalizar os Estados de mecanismos para impedir a evasão fiscal.
Portugal e Brasil, imbuídos da histórica parceria que mantém e, além, do interesse de eliminar a dupla tributação entre os dois países e eliminar o máximo possível a evasão fiscal, contrataram Convenção, a qual foi ratificada aqui pelo Decreto 4012, de 13 de novembro de 2001 com o fim de reduzir a dupla tributação entre os dois países.
Estudar os conceitos que tratam sobre a questão e analisar essa convenção tomada entre os dois países é o objetivo desse trabalho.
1. Dupla Tributação Internacional
1.1. Definição
Manifesta-se a dupla tributação ao se verificar a cobrança de tributos sobre o mesmo fato gerador e mesmo contribuinte em razão de tributos idênticos ou que guardam os mesmos elementos. Há que se distinguir, então, a dupla tributação que normalmente ocorre dentro do Estado e a que se sucede a nível internacional. Tem-se que a dupla tributação é o gênero, partindo daqui encontra-se a dupla tributação interna e a internacional. A interna é a que acontece dentro do próprio Estado, quando este tributa o mesmo fato gerador e o mesmo contribuinte, através de impostos diferentes, mas que guardam características compatíveis. A internacional se apresenta, dentro desses mesmos moldes, com o diferencial de que quem tributa são Estados distintos. No ensinamento de Herbert Dorn, apud Antônio de Moura Borges , << a dupla – múltipla – tributação se verifica quando vários titulares de soberania tributária independentes – submetem o mesmo contribuinte pelo mesmo objeto, contemporaneamente, a um imposto da mesma espécie>>. Melhor se aclara quando se passa a analisar as definições seguintes.
1.2. Pluralidade de Soberanias.
Soberania tributária é um elemento intrínseco da soberania. É autonomia que o Estado tem de criar e cobrar seus próprios tributos. Para a definição de dupla tributação internacional é interessante, pois para que aquela aconteça o contribuinte deve sofrer a tributação de dois entes soberanos.
1.3. Identidade do Sujeito Passivo.
Outro elemento essencial da dupla tributação é que o sujeito passivo da obrigação tributária deva ser o mesmo. Essa exigência diz respeito a tributação jurídica que é a que mais interessa para este trabalho. O contribuinte tributado num Estado deve ser o mesmo no outro, ainda que representado por sujeito diverso. Dentro dessa definição deve ficar salientada a diferença entre sujeito passivo da obrigação tributária e responsável pela obrigação. A lei faz essa distinção, mormente, nem sempre o contribuinte que é sujeito passivo da obrigação é também o responsável pelo pagamento. É o caso das retenções na fonte, onde o sujeito passivo é o contribuinte direto e o responsável pelo pagamento é o ente que faz a retenção.
1.4. Identidade do Elemento Material do Fato Gerador.
Fato gerador acompanhando o raciocínio de Hugo de Brito Machado é o fato jurídico tido pela norma jurídica como suficiente para gerar a obrigação tributária. No estudo em apreço, a dupla tributação deve ter em foco o mesmo fato jurídico a originar o surgimento da obrigação de pagar o tributo, tanto num país como no outro. No exemplo luso-brasileiro, a aferição de rendimentos é o fato que pode impulsionar uma dupla tributação. Se os fatos geradores forem distintos, então, não se pode falar naquele fenômeno.
1.5. Identidade do Imposto.
O imposto a ser cobrado deve ser o mesmo. Podem ser diferentes no nome, mas os elementos devem ser os mesmos, quando se tratarem de impostos similares. Não sendo o mesmo imposto, ou não tendo elementos similares, não há dupla tributação.




2. Classificação da Dupla Tributação Internacional
Pode ser classificada ainda segundo diferentes critérios. Serão analisadas as que mais guardem pertinência com o estudo ora realizado para não perder a objetividade.
Classifica-se como efetiva, quando haja simultaneidade de pretensões fiscais. Mais de um Estado pretende tributar o contribuinte e efetivamente o faz. Virtual, havendo a concorrência eventual da cobrança do imposto, mas apenas um dos entes soberanos o realiza. Essa última não é totalmente aceita pela doutrina, como acentua Moura Borges , citando Manuel Pires, pois como poderia haver dupla tributação, se apenas uma soberania tributária resolve intentar uma cobrança? Todavia, deve-se levar em conta que, embora ela não exerça de imediato sua pretensão existe a previsão e isso cria um sentimento de insegurança jurídica que pode afastar investimentos se as regras do jogo não forem claras.
Cataloga-se ainda quanto a intencionalidade ou não-intencionalidade do Estado, logo que este tenha manifesta intenção de cobrar, ou não, o imposto devido.
Diz-se simples, quando dois Estados opõem a tributação e composta, quando dupla tributação internacional subjuga a interna. Resta claro, como aponta Moura Borges , que pode acontecer a dubla cobrança fiscal dos Estados ao tempo que um, internamente, também esteja cobrando.
Classifica-se em real, pessoal e mista, segundo a natureza jurídica dos direitos que geram o fato gerador do imposto. Real, se coisas móveis ou imóveis; pessoal, tratando-se aqui da pessoa em si, como a percepção de rendimentos; e mista, quando ocorra confluência das duas primeiras.
Por fim, distingue-se se for vertical, horizontal ou oblíqua. A vertical se produz na hipótese em que os entes tributadores estão em níveis distintos, um estando abaixo do outro, tomando como exemplo, uma entidade supranacional. Horizontal, em que os entes estão no mesmo nível, sem subordinação. E a oblíqua, onde os Estados não estão no mesmo nível, mas pode haver a colisão de sistemas tributários entre um dos Estados e uma unidade autônoma do outro. A horizontal é mais recorrente, como noticia Moura Borges .














3. A Convenção Internacional sobre Dupla Tributação
O Direito Internacional regula as relações entre os Estados Soberanos. Existem elencos de normas jurídicas convoladas entre eles que visam estabelecer situações e regrar comportamentos a nível internacional. Muitas vezes, até mesmo com ingerência no Direito Interno como os Tratados que tratam dos Direitos Humanos.
Notadamente, relativamente à Dupla Tributação Internacional, o instrumento utilizado são as convenções internacionais que seguem o regulamento da Convenção de Viena sobre Convenções.
Ainda sobre esse fenômeno jurídico específico a referência maior é a Convenção modelo da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico, da qual faz parte dentre outros Portugal. Brasil não faz parte da Organização, mas está em constante contato com ela, participando inclusive das atualizações do Modelo, tal qual Rússia e China.
As Convenções Internacionais nesse sentido são de grande relevância, dado o grau de desenvolvimento das relações econômicas entre os países, possibilitando aos que estão em desenvolvimento convencionarem com os desenvolvidos para, eliminando encargos tributários, permitir a importação de capital externo que ajuda a desenvolver outras ações daqueles entes. Os países que fazem parte da Organização e mesmo os que não participam, vêm seguindo o Modelo, cuja última versão é de 2008. Noticia Ávila que o Comitê de Assuntos Fiscais, tendo reconhecido o caráter contínuo da atualização da Convenção Modelo, convencionou nominá-la de <>.
Para valerem no ordenamento jurídico de cada Estado ela deve ser ratificada e referendada pelo Poder Legislativo de cada um, sem o qual não teria como ser aplicado internamente. No Brasil, a Constituição Federal estabelece em seu art. 21, inciso I que o país participe de Tratados e Convenções com os demais, e no seu art. 59, VI, dispõe que o Congresso Nacional expedirá decreto legislativo acolhendo o instrumento supranacional no ordenamento jurídico pátrio. Sem esse pressuposto não é possível sua aplicação.


4. Interpretação das Convenções sobre Dupla Tributação.
As Convenções que tratam sobre a Dupla Tributação Internacional possuem certos princípios que as orientam na sua interpretação, sem excluir é claro outros inerentes ao Direito Internacional e o Direito Interno de cada Estado. São nortes estabelecidos na própria Convenção e reconhecidos pelos ordenamentos jurídicos internos de cada ente tributante.
Leciona Glória Teixeira que deve ser observada na interpretação desses instrumentos a Convenção de Viena sobre Convenções e Tratados. Mais precisamente seus arts. 31 a 33. Havendo conflito entre a norma internacional e a interna, deve prevalecer a primeira, desde que a Convenção assim o estipule. Caso contrário, a legislação interna sobre interpretação das normas tributárias é a que se aplica. Observa, ainda a doutra professora que os Comentários a Convenção Modelo são de valiosa ajuda na interpretação das normas atinentes aos Tratados e Convenções.
Mais detidamente, ao analisar os dispositivos da Convenção vienense podemos tecer as seguintes observações.
Dispõe o art. 31 daquela Convenção que um tratado, ou uma convenção deve ser interpretado de boa fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respectivos objeto e fim. O princípio da boa fé orienta no sentido de que os Estados contratantes quando celebram um instrumento de acordo internacional deve-o fazer de boa fé e sem a intenção de não o cumprir, segundo o sentido comum no contexto da assinatura e de acordo com o objeto e o fim procurado declarado no instrumento. Para contextualizar essa intenção são observados os demais tratados e convenções realizados à época entre os contratantes e qualquer outro instrumento realizado e aceite entre aqueles. Serão considerados para efeito posterior, outros acordos sobre a interpretação e as práticas reiteradas de cada contratante.
Recorrer-se-á, nos termos do art. 32 da Convenção, a meios complementares de interpretação, especificamente aos trabalhos preparatórios e às circunstâncias em que foi concluído o tratado, com vista a confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo anterior ou a determinar o sentido quando a interpretação dada em conformidade com o pregresso dispositivo. As manifestações expressas ou práticas dos contratantes serão consideradas como meios de interpretar a intenção quando da anuência à avença. Tudo isso quando as disposições restarem obscuras ou se chegue a conclusões absurdas.
Por último o art. 33 determina que os Tratados e Convenções redigidos nas línguas dos respectivos Estados, serão considerados autênticos em ambos os idiomas. Um terceiro idioma será tido como autêntico, desde que o documento internacional assim o determine. Havendo, todavia, incongruência entre os textos, valerá aquele em cuja língua permita interpretá-lo mais fielmente ao objeto e fim perseguido no documento.


5. Critério de Residência
O critério de residência é um dos elementos indispensáveis à resolução da dupla tributação. Por esse critério, se considera para efeitos de dupla tributação o lugar onde a pessoa, simples ou coletiva, fixa sua morada ou exerça suas atividades econômicas, ainda que transitoriamente, mas com regularidade.
Contudo, as convenções não trazem em seu bojo a definição desse critério e embora, como notícia Glória Teixeira , elas não estipulem diretamente o conceito, poderá o Direito Interno resolver a matéria, sempre em consonância com o objetivo traçado pelos acordos. Ainda como observa a jurista, existindo conflito de competências, algumas convenções, observando a Modelo da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico, permitem soluções para resolver o problema, como a da Áustria e Portugal, que em seu art. 4º determina que a pessoa mudando de residência, de um Estado para o outro, ficará ressalvado o direito ao Estado originário tributar os rendimentos até última data de fixação de residência do contribuinte.








6. Estabelecimento Estável
Diz-se do estabelecimento estável quando a pessoa coletiva, embora esteja em lugar distinto de sua residência, exerce atividade econômica frequente. Se não está estabelecida efetivamente usa de recursos (salas, unidades de produção, etc.) ou representantes, no território para executar sua função.
Essas pessoas coletivas pagam tributos sobre os rendimentos originados nesse estabelecimento. A imputação se dá em razão do princípio da territorialidade. Este princípio como ensina Glória Teixeira indica que o Estado <>. Essa imputação não depende de nenhuma condição, bastando o sujeito passivo encontrar-se no território.
Estabelecimento estável, pois, seria qualquer instalação fixa ou representação permanente, pelas quais sejam praticadas quaisquer atividades comercial, industrial ou de agricultura. Como ainda informa Glória Teixeira até mesmo diligências executadas por empregados ou prestadores de serviço contratados exatamente para isso, por cento e vinte dias, dentro de um ano, continuamente ou intercalado. Mas essa definição não é absoluta, merecendo críticas, pois pode muito bem tais sociedades desempenhar suas operações em unidades não necessariamente fixas, como um estaleiro, ou por um período maior que 120 dias.
Os lucros do estabelecimento estável, via de regra, são tributados tal qual uma sociedade permanente. Os lucros comerciais se aferidos por quem não conta com um estabelecimento estável serão tributados apenas em seu país de residência. Se houver, por outro lado, o regime do país onde se encontra esse estabelecimento será aplicado.



7. Hipóteses de ocorrência da dupla tributação
Existem algumas hipóteses em que recorrentemente sucedem à dupla tributação. Dignam-se em retenções na fonte, juros e royalties.
As retenções na fonte se operacionalizam quando o ente tributante tributa o rendimento no momento do pagamento ao sujeito. Pode a convenção estabelecer a não-incidência de tributação nos rendimentos que são repassados da sociedade filiada à sociedade mãe ou matriz. Poderá, por outro lado haver tributação, mas em alíquotas, ou taxas, reduzidas. É como exemplifica Teixeira com a Convenção Reino Unido e Portugal, onde se aplica a taxa de 10% sobre o total dos dividendos brutos.
Os juros, no ensinamento de Teixeira , seriam os rendimentos de dívida pública, de obrigações com ou sem garantia hipotecária, havendo direito ou não à participação nos lucros e créditos de que natureza for, ou outro qualquer rendimento considerado pela legislação tributária do país de onde provenha a rentabilidade. As convenções podem estipular que as operações que originem os juros possam ser isentas de tributação. É o caso da Itália e Alemanha, como assevera Teixeira . Ou ainda a fixação de taxas na retenção da fonte, tal como Reino Unido e França que constituem entre 10 e 15%, como até exemplifica a autora.
Royalties são contraprestações decorrentes do uso de direitos de autor, que varia entre as criações intelectuais e as invenções industriais. O regime de tributação pode ser o mesmo dos juros. Outra vez Teixeira cita exemplo proveitoso como a Diretiva 2003/49/Comunidade Européia que trata da matéria nos moldes atrás explicitados.
As pensões também são objeto de dupla tributação, existindo regulamentos internacionais que prestigiam com única entidade tributante a do Estado onde foi exercida a atividade do sujeito que originou o pagamento da renda. Os países associados à Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico seguem a Convenção Modelo que em seu art. 18, determina que apenas o Estado onde o sujeito passivo resida pode tributar a renda.


8. Métodos de Eliminação ou Redução
Os métodos mais utilizados para eliminação ou redução da dupla tributação pelas convenções são a isenção, crédito e dedução. Inobstante, essa assertiva, podem os Estados fazê-lo unilateralmente. Daqueles, o mais utilizado é o de crédito e raramente o de dedução, em face do ínfimo impacto nas receitas fiscais dos entes tributados.
O método de isenção confere ao contribuinte isenção de tributação no Estado de residência sobre os rendimentos advindos de outro. Salienta Teixeira que muitos entes tributários preveem a isenção progressiva, em que a isenção se dá a partir de determinadas faixas de rendimento.
O de crédito contempla a possibilidade que os impostos pagos no Estado de origem dos dividendos sejam creditados contra pagamento em impostos pagos na residência do contribuinte. Esse crédito pode ser total, quando incide sobre o montante de todos os impostos pagos, ou restrito aos impostos equivalentes que tributam os rendimentos estrangeiros no país de residência. Denomina-se método de crédito ordinário.
A dedução permite ao contribuinte abater em suas despesas o valor pago com os impostos no estrangeiro o que permite uma forma indireta de redução de dupla tributação.
Qualquer um dos métodos acima apresentados, conquanto brevemente, podem ser aplicados sozinhos ou em conjunto. O que vai determinar o uso de um ou de outro, ou de todos, será o interesse do Estado contratante. Se quiser que haja mais investimento, ou apenas se pretende tributar mais eficazmente as receitas que saia de seu país ou impedir que saia. Em qualquer caso o que vai determinar mesmo é o interesse do Estado de querer exportar ou importar, mais ou menos, capital.

9. Convenção entre Portugal e Brasil para eliminar ou reduzir a Dupla Tributação entre os dois países.
Em 13 de novembro de 2001 foi expedido para o ordenamento jurídico brasileiro o Decreto n. 4.012 que promulga a Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, celebrada em Brasília, em 16 de maio de 2000.
O Brasil tornou eficaz, em seu ordenamento jurídico, a referida Convenção com o intuito de evitar a Dupla Tributação entre os dois países e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento.
Observe-se que embora o Brasil não faça parte da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico, foi convolado o acordo com Portugal, praticamente nos moldes da Convenção Modelo.
Em seu art. 1º prescreve que serão contemplados pela Convenção as pessoas residentes num e noutro Estado contratante.
Os impostos a serem atendidos pelo instrumento, vide art. 2º, no Brasil, o Imposto Federal sobre a Renda. E por Portugal, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e a derrama. Os preceitos da Convenção serão ainda aplicáveis aos impostos de natureza idêntica ou similar que entrem em vigor posteriormente à data da assinatura daquela Convenção e que venham a acrescer aos atuais ou a substituí-los, devendo os contratantes comunicarem a superveniência de alterações significantes.
O art. 3º define especialmente para efeitos de aplicação da norma as pessoas, como sendo pessoa singular ou física, uma sociedade ou qualquer outro agrupamento de pessoas. Sociedade é qualquer pessoa coletiva ou jurídica ou qualquer entidade considerada como pessoa coletiva ou jurídica para fins tributários. O mesmo dispositivo aclara ainda o critério de interpretação da Convenção estabelecendo em seu item 2 que qualquer termo ou expressão que nela não se encontre definido terá, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação desse Estado que regula os impostos a que a Convenção se aplica, prevalecendo a interpretação resultante desta legislação fiscal, na definição dos respectivos efeitos tributários, sobre a que decorra de outra legislação deste Estado. Ou seja, dignifica a competência de cada Estado por seu Direito Interno definir a interpretação mais condizente com a tributação do imposto.
Já no art. 4º são definidos os conceitos de domicílio e residência. A expressão <> denota qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar, e aplica-se igualmente a este Estado e bem assim às suas subdivisões políticas ou administrativas ou autarquias locais. O item 2 desse artigo prescreve que quando uma pessoa singular ou física for residente de ambos os Estados Contratantes, a circunstância será solucionada observando os seguintes critérios: será tida como residente apenas no Estado em que tenha uma habitação permanente ao seu dispor. Se houver uma habitação permanente à sua disposição em ambos os Estados, será considerada residente do Estado com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e econômicas o que a Convenção designa como centro de interesses vitais. Se o Estado onde se encontra o centro de interesses vitais não puder ser determinado ou se não tiver uma habitação permanente à sua disposição em nenhum dos Estados, será considerada residente apenas do Estado em que permanece com habitualidade. Por outro lado, se continuar habitualmente em ambos os Estados ou se não continuar frequentemente em nenhum deles, será entendida como residente apenas do Estado de que for nacional. Sendo nacional de ambos os Estados ou não for nacional de nenhum deles, as autoridades competentes dos Estados Contratantes resolverão o caso de comum acordo. No caso das pessoas coletivas, será considerada residente apenas do Estado em que estiver situado o seu local de direção efetiva.
Nos termos da Convenção, a expressão "estabelecimento estável" ou "estabelecimento permanente" indica uma instalação fixa, através da qual a empresa exerça toda ou parte da sua atividade. A expressão "estabelecimento estável" compreende um local de direção, uma sucursal, um escritório, uma fábrica, oficina, mina, um poço de petróleo ou gás, uma pedreira ou qualquer local de extração de recursos naturais. O estaleiro de construção ou de montagem só constitui um estabelecimento estável se a sua duração exceder nove meses. Essa determinação vai de acordo com a posição de Portugal sobre a matéria, tendo se fixado o período de pelo menos nove meses.
Porém, a expressão "estabelecimento estável" não compreenderá as instalações utilizadas unicamente para armazenar, expor ou entregar mercadorias pertencentes à empresa; um depósito de mercadorias pertencentes à empresa, mantido unicamente para armazená-las, expor ou entregar; um depósito de mercadorias pertencentes à empresa, mantido unicamente para serem transformadas por outra empresa; uma instalação fixa, mantida unicamente para comprar mercadorias ou reunir informações para a empresa; uma instalação fixa, mantida unicamente para exercer, para a empresa, qualquer outra atividade de caráter preparatório ou auxiliar e outras definidas ainda no art. 5º daquela convenção.
O mesmo dispositivo determina até que quem não seja um agente independente, atue por conta de uma empresa e tenha e rotineiramente exerça num Estado Contratante poderes para concluir contratos em nome da empresa, será considerado que esta empresa tem um estabelecimento estável nesse Estado.
Todavia, não será estabelecimento estável num Estado Contratante pelo simples fato de exercer a sua atividade nesse Estado por intermédio de um corretor, de um comissário-geral ou de qualquer outro agente independente, desde que essas pessoas atuem no âmbito normal da sua atividade.
Assevera a Convenção por seu turno que o fato de uma sociedade residente de um Estado Contratante controlar ou ser controlada por uma sociedade residente do outro Estado Contratante ou que exerce a sua atividade nesse outro Estado, quer seja através de um estabelecimento estável, quer de outro modo não é, por si só, bastante para fazer de qualquer dessas sociedades estabelecimento estável da outra.
A Convenção ainda trata dos juros, lucros das empresas e royalties com disposições expressas sobre quantitativos de taxas ou alíquotas. Seguindo o Modelo da Organização de Comércio e Desenvolvimento Econômico. Não sendo abordado aqui, ante a natureza escorreita deste trabalho. Quanto ao método de evitar a dupla tributação é utilizado um sistema misto crédito e dedução.
A convenção Brasil/Portugal assegurou ainda a troca de informações para evitar a evasão fiscal. As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar a Convenção ou as leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos na Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista não seja contrária a ela, em particular para prevenir a fraude ou a evasão desses impostos. As informações obtidas por um Estado Contratante serão consideradas secretas, em respeito ao princípio do sigilo fiscal, do mesmo modo que as informações obtidas com base na legislação interna desse Estado, e só poderão ser comunicadas às pessoas ou autoridades (incluindo tribunais e autoridades administrativas) encarregadas do lançamento, cobrança ou administração dos impostos abrangidos por esta Convenção, ou dos procedimentos declarativos, executivos ou punitivos relativos a estes impostos, ou da decisão de recursos referentes a estes impostos. Essas pessoas ou autoridades utilizarão as informações assim obtidas apenas para os fins referidos. As autoridades competentes, mediante consultas, determinarão as condições, os métodos e as técnicas apropriadas para as matérias com respeito às quais se efetuarão as trocas de informações, incluídas, quando procedentes, as trocas de informações relativas à evasão fiscal. Dispondo ainda sobre troca de informações



Conclusão
As Convenções sobre dupla tributação internacional são instrumento de fomento de investimento, ao tempo em que funcionam também como mecanismo para evitar evasão de divisas. Os métodos de redução ou eliminação são utilizados por cada Estado conforme seu interesse de ter mais receita ou receber mais investimentos estrangeiros.
A Convenção assinada por Brasil e Portugal segue em muito a Convenção Modelo da Organização de Comércio e Desenvolvimento Econômico e ainda tem o condão de implementar colaboração entre os dois contratantes no sentido de evitar a evasão de tributos.
Esses acordos internacionais gozam de legitimidade na medida em que os interesses dos contratantes são acolhidos em suas disposições. No Mundo Globalizado onde as fronteiras se estreitam, acordos dessa natureza implicam melhoria das relações comerciais entres soberanias. As convenções devem sempre que possível atender aos interesses dos dois contratantes, sem que exista sobreposição de um sobre o outro.
Os países em desenvolvimento devem poder negociar esses instrumentos com maior margem de proteção para seus interesses já que vem se tornando destino preferido dos mais desenvolvidos para investimentos de toda ordem.
Outro ponto fundamental que se destaca aqui é a possibilidade de fechar acordos que possam ajudar aos países contratantes a evitar as fraudes fiscais que lesão os cofres públicos. As Convenções representam um papel sumamente importante nesse aspecto, de vez que podem os Estados trocar informações sobre o contribuinte a fim de aferir se ocorre, ou não, evasão fiscal.


Referências Bibliográficas:

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TEIXEIRA, Glória. Manual de Direito Fiscal. 2 ed. Almedina. Coimbra. 2010.
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A DEFESA DA CONCORRÊNCIA NUMA PERSPECTIVA LUSO - BRASILEIRA

Introdução

Vive-se numa sociedade de mercado. O Capitalismo venceu a tese do socialismo, ao menos na prática. A totalidade dos países, excluindo aqueles poucos que não admitem, vivencia uma realidade capitalista, de mercado. As sociedades modernas estão adstritas hoje à realidade do consumo, sendo este fruto das necessidades dos indivíduos que a compõem. A Economia se ocupa em estudar meios de manter esse consumo em equilíbrio de forma que as demandas e as ofertas persistam de forma sustentável. Inegável, pois, o papel das empresas já que estas intermediam o desejo e o alcance dos consumidores junto a produtos de primeira e última necessidade. O comércio, como sempre continua sendo a mola de propulsão das relações sociais e, mais que nunca, dentro do ambiente global, de interação entre os países. O Direito em sua seara procura regular os comportamentos dos envolvidos no mercado, sejam fornecedores de bens e serviços, sejam os consumidores.
O mais natural evento a se perceber nessa relação é a concorrência. Fato jurídico, perfeitamente defectível, porque ela trata da relação entre agentes econômicos, enquanto conviventes no mercado e disputadores de consumidores. É, assim, uma realidade inafastável das relações comerciais que demonstra que vários indivíduos se interessam em produzir e comercializar. E mais que normal, é a comercialização de produtos similares, idênticos, iguais por fornecedores distintos. As riquezas estão a disposição de todos, logo muitos podem vender o mesmo produto. Se só houvesse a possibilidade de apenas um vender um determinado bem, então não se falaria em concorrência.
É salutar a concorrência, pois é nela que os consumidores se beneficiam. Os concorrentes procuram vender mais, ora oferecendo mais qualidade, ora oferecendo preços mais baixos. A demanda e a oferta se fazem dentro de custos e receitas marginais que vão se alterando à medida que essa concorrência procura ganhar fatias do mercado consumidor trabalhando em cima de melhorias de seu produto ou na redução de custos que possa garantir preços mais baixos que atraiam os compradores potenciais. Como bem assinala Abel M. Mateus a economia de mercado é essencial para o funcionamento da sociedade. Na mesma linha, diz o renomado professor português, promover e preservar a concorrência é proteger um bem público.
Por outro lado, e, portanto, se faz necessária a regulação por parte do Direito, casos existem em que o empresário na sanha de aumentar seus lucros a qualquer custo procuram prejudicar esse bem público.
Realizam fraudes fiscais para reduzir seus custos, entram em acordo com outros concorrentes ou até mesmo procuram eliminar totalmente a concorrência através de expedientes que prejudicam no final a própria sociedade.
Necessária se faz a defesa da concorrência, através de mecanismos legais que possam coibir práticas que tencionem quebrar o equilíbrio do mercado, alavancando prejuízos para a sociedade como um todo.
O objetivo desse trabalho é estudar a realidade da concorrência no Brasil e em Portugal, vislumbrando o Direito Comunitário e o Mercosul, analisando a legislação e apontamentos doutrinários.

1. A Regulamentação da Concorrência.

1.1. Brasil

No Brasil a concorrência é regulamentada em primeiro plano pela Constituição Federal em seu artigo 173, §4º que determina a repressão a qualquer tipo de abuso de poder econômico que tencione dominar mercados, eliminar a concorrência e o aumento arbitrário de lucros.
Pode-se dizer que a Constituição Brasileira tipificou os fatos jurídicos que devem ser tutelados pelo Estado e orienta sua atuação no sentido de evitar tais práticas, como acentua Fábio Ulhoa Coelho .
No campo infraconstitucional a regulamentação fica a cargo da Lei 8.884/1994 nominada como Lei Antitruste. Essa norma trata da prevenção e repressão às infrações de ordem econômica e especialmente da concorrência.
Os artigos que tratam dos casos tipificados que infringem o direito da concorrência são os artigos 20 e 21.



1.2. Mercosul

No Mercosul a regulamentação inicialmente se deu com a Decisão n. 21/94 e Anexo do Conselho do Mercado Comum que trata da defesa da Concorrência. Existem outras decisões e resoluções que tratam da matéria, mas a mais atual é a Decisão n. 43/10 que dispõe sobre o acordo de defesa da concorrência entre os países do bloco.

1.3. Portugal.

Em Portugal, a regulamentação da defesa da concorrência fica por conta da Lei 18/2003 de 11 de junho. Esta lei revogou o Decreto – Lei 371/93, de 29 de Outubro que tratava antes da matéria. Os artigos que tratam do assunto são os 4º e seguintes.
Além dessa norma, registre-se que a Constituição da República de Portugal em seu art. 81 dispunha sobre a defesa da concorrência.
1.4. Direito Comunitário

Pelo Direito Comunitário, a regulamentação toma forma pelo próprio Tratado da União Européia que em seus artigos 81º e seguintes tratam dos casos que podem ser reprimidos em sede de concorrência.
O Direito Comunitário tem forte influência sobre o direito interno português, havendo casos mesmo em que suas diretrizes superam o ordenamento jurídico nacional. Traduz-se a assertiva na implicância da entrada de Portugal na União Européia, onde todos os países contratantes cederam parte de sua soberania jurídica para o bloco.

2. Órgãos Competentes

2.1. Brasil

No Brasil o órgão encarregado de fiscalizar e reprimir condutas que importem em ferimento do Direito da Concorrência é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, conforme se depara da leitura do art. 3º da Lei 8884/94 , com as competências que lhe são atribuídas por força do art. 7º.
Este órgão, que tem natureza jurídica de Autarquia, pessoa jurídica de direito público interno, faz parte da Administração Pública e suas decisões e sanções são de cunho administrativo. Contudo, por força do art. 60 daquele diploma legal, as decisões do órgão tem força de título executivo extrajudicial, podendo ser executadas pela via judicial.
O Poder Judiciário só é acionado na possibilidade de reparação de danos por prejuízos sofridos pelos concorrentes em face da concorrência desleal, como bem ensina Coelho ou ainda no caso de processamento de crime nos termos da Lei n. 1.521, de 26-12-1951 (Lei dos Crimes Contra a Economia Popular).

2.2. Mercosul

Nos termos da Decisão n. 59/00 do Conselho do Mercado Comum do Mercosul, o órgão competente para fiscalizar os assuntos referentes a concorrência é a Comissão de Comércio do Mercosul que conta com comissão técnica especializada em Defesa da Concorrência, conforme salienta o art. 8º daquele instrumento comum.

2.3. Portugal.

A Autoridade da Concorrência é quem encampa o trabalho de fiscalizar e reprimir as infrações à lei da concorrência. Nos termos da Lei 18/2003, art. 14º cabe àquele órgão assegurar o respeito às regras de defesa da concorrência. Seu trabalho é desenvolvido com auxílio das autoridades reguladoras.
Tal qual o Brasil, os órgãos do Poder Judiciário são provocados em caso de reparação de danos por responsabilidade extracontratual em face de prejuízos oriundos das práticas abusivas, ou quando há repressão penal. Mas são também provocados quando há de ser aplicada norma de Direito Comunitário não observada pelas autoridades nacionais.

2.4. União Européia

Em nível de União Européia, a Comissão Européia junto com o Tribunal de Justiça Europeu cuidam da aplicação das normas comunitárias junto aos países membros, dentre elas as atinentes ao direito de concorrência.
Dispõe o art. 85º do Tratado da União Européia que a Comissão velará pelos princípios encartados nos artigos 81º e 82º.

3. Noção de Mercado Relevante

Importante se faz definir mercado relevante, vez que a legislação, seja em Brasil, seja em Portugal adota a noção para efeitos de aplicação das normas e verificação dos efeitos das práticas proibidas.
Tem-se por mercado relevante a delimitação geográfica e material onde as práticas concorrenciais se verificam. No ensinamento de Coelho é feita em dois níveis: geográfico e material.
A nível geográfico faz-se referência ao espaço onde se darão as práticas. Se junta a essa noção a de territorialidade de aplicação das normas concorrenciais. Agora, como bem indica o autor já citado não se faz necessária que as práticas tenham efeito em todo o território nacional, ou no bloco comunitário, Mercosul e União Européia. Bastante é que se verifique em parte dele.
Pelo nível material, o referencial é o consumidor. Quando as práticas indevidas passam a prejudicar o consumidor, dentro de um mercado delimitado de certos produtos, as práticas devem ser reprimidas. São casos de aumento abusivo de preços, falta de produtos no mercado.
A noção de mercado relevante é essencial ainda para análise dos casos de abuso de posição dominante, quando uma ou mais empresas se valem de sua posição e importância no mercado para eliminar a concorrência, abusar de seu poder econômico ou aumentar arbitrariamente seus lucros.

4. Práticas Proibidas

Com efeito, textualiza o art. 4º da Lei 18/2003 que serão proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que se revistam, que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional. O mesmo dispositivo elenca uma série de hipóteses em que aquelas práticas possam se configurar.
Os acordos entre empresas podem ser expressos ou tácitos, embora na prática se constate que as empresas não registram tais acertos, até porque fariam prova de atos ilícitos.
As decisões de associações de empresa são deliberações de empresas que se associam formal ou informalmente para atuar no mercado. Tais decisões quando também tenham como objetivo impedir, falsear ou restringir a concorrência poderá acarretar sanções aos praticantes.
As práticas concertadas são os atos exercidos entre empresas que podem acarretar danos à concorrência, também.
Pelo Direito Português, todavia, não serão punidas as práticas desde que se justifiquem na forma do art. 5º da aludida lei. Nos termos do artigo serão justificadas as práticas que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição de bens e serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou econômico. O dispositivo em suas alíneas preveem outros tópicos que devam se cumular com os do caput do artigo para poderem se considerar justificadas, como por exemplo, reservar aos utilizadores dos bens ou serviços uma parte equitativa do benefício que resultar da prática.
Já para o ordenamento jurídico brasileiro, quaisquer condutas que tencionem limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, dominar mercado relevante de bens ou serviços, aumentar arbitrariamente os lucros e exercer de forma abusiva posição dominante, serão consideradas infrações à lei antitruste, conforme art. 20 da Lei 8884/94.
No Direito Brasileiro existe a forma da justificação, de maneira que as condutas poderão ser toleradas, desde que presentes os requisitos do art. 54, §1º da lei 8884/94 . Ressalta-se que todo e qualquer comportamento terá de ser analisado se de alguma forma atingiram em termos práticos o disposto do art. 20 da lei 8884/94 que se coaduna com o art. 173, §4º da Constituição Federal Brasileira.
Outra prática vedada é a de posição dominante abusiva, quando uma empresa ou mais de duas utilizem de sua supremacia para dominar o mercado. Nos termos do art. 6º da Lei 18/2003 haverá posição dominante por parte de uma ou mais empresas concertadas que não tenham concorrência significativa ou que tenham preponderância sobre os demais concorrentes.
Segundo Pedro Olavo Cunha a posição dominante pode ser abusiva quer exista concertação, ou não.
A dependência econômica abusiva, outra prática não permitida, se dá quando uma ou mais empresas exploram abusivamente suas dependentes, conforme leitura do art. 7º da Lei 18/2003.
A vedação aos auxílios de Estado, prevista no art. 13º, n.1 daquela Lei, guarda harmonia com as disposições do Tratado da União Européia de seu art. 87º, tendo como escopo a proteção do mercado comum, sendo incompatível a permissibilidade de auxílios dos Estados que possam beneficiar seus mercados em detrimento de outros em razão de concessão de auxílios. Só serão permitidas as indenizações compensatórias em contrapartida de prestação de serviço público.
A concentração de empresas é proibida, desde que venha produzir os efeitos previstos no caput do art. 4º da lei portuguesa. Previamente, quando houver a concentração, caracterizada pela fusão de duas ou mais empresas, controle por uma ou mais pessoas de uma empresa, e aquisição de controle direto ou indireto de empresa, deverá haver a notificação para que a Autoridade da Concorrência tome conhecimento. A ausência de notificação poderá acarretar a ineficácia dos atos. O controle é consequência de qualquer ato, seja qual a for a forma de que se revista, isolado ou em conjunto que possibilite influência sobre a direção da empresa. Pode se dar através de aquisição de parte ou de todo o capital social, controle de ativo liquido e ação preponderante sobre os órgãos da empresa. Não será considerada concentração a recuperação de empresas ou pagamento de créditos.
No direito brasileiro, o art. 54 da Lei 8884/90 também veda a concentração econômica de empresas que visem limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços.

5. A Clemência no Direito da Concorrência

A clemência no ordenamento jurídico luso está prevista na Lei 39/2006 de 25 de agosto. Este instituto se constitui em dispensa ou atenuação de penas oriundas de processo de contra-ordenação por práticas de infrações às normas de defesa da concorrência para aqueles que colaborarem com as autoridades fiscalizantes no esclarecimento e imputação de responsabilidade sobre as práticas desleais. Segundo Ana Paula Alves de Sousa Silva Calhau vem a ser um instrumento de inegável importância para a luta contra os cartéis.
Este instituto não é previsto no ordenamento jurídico brasileiro para efeitos de direito da concorrência.

Conclusão

Numa economia de mercado imprescindível se faz a defesa da concorrência. Afinal a concorrência é um bem público de grande valor, sendo através dela que a sociedade se beneficia.
Não é qualquer prática que pode ser considerada danosa à concorrência, senão aquelas que afetem sensivelmente os mercados, prejudicando outras empresas e a própria sociedade.
Para o direito brasileiro, os efeitos indesejados são prejuízos à livre concorrência ou a livre iniciativa, domínio de mercado relevante de bens ou serviços, aumento arbitrário de lucros e exercício de forma abusiva de posição dominante.
Já no direito português que não destoa tanto do brasileiro seria atuações que tenham como objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional.
Em ambos os países existem órgãos estatais com atribuições específicas para fiscalizar e impor sanções aos infratores, sendo o Poder Judiciário provocado para aplicação de sanções penais, ou apreciação de reparações civis em face das violações ao direito de concorrência.
Em termos de Direito Comunitário, o Direito Europeu está na vanguarda da defesa da concorrência, tendo aplicação sobrepujante sobre o direito interno dos países membros. Pelo lado do Mercosul, embora mais recente, decisões do Conselho do Mercado Comum, têm sido implementadas nos países participantes com o feito de coibir práticas que atentem contra a livre concorrência.
Ressalte-se ainda o instrumento da clemência instituído no direito concorrencial português que vem a ser de suma estima para auxiliar ao combate às práticas de concorrência desleal ou ilícita. Instituto aliás que poderia ser acolhido tanto pelo Direito comum do Mercosul, quanto pelo Direito brasileiro.

Referências Bibliográficas

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TRATADO DA UNIÃO EUROPÉIA.24.12.2002 PT Jornal Oficial das Comunidades Europeias C 325/33;
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ENTRADA DE INDÚSTRIA NUMA PERPECTIVA LUSO-BRASILEIRA

Introdução

A figura do empresário guarda sumular importância na sociedade. Dentre tantas atividades realizadas em sociedade, continua ele a ser um importante propulsor na circulação de riquezas. O empreendimento comercial faz girar a máquina econômica, produzindo recursos para si e para o Estado, ao tempo em que faz chegar ao consumidor os bens que deseja adquirir.
Por sua importância, sempre foi objeto de estudo das áreas econômicas e jurídicas, pois seus atos estreitam as relações entre indivíduos e também entre Estados. Hoje mais que nunca, tendo em vista a globalização da economia.
Livros foram escritos formulando teses inúmeras sobre seu papel, enquanto sujeito de direitos e obrigações, acompanhando as regulamentações legais que se fizeram processar ao longo de anos incontáveis em diversos países.
A evolução das relações comerciais aprimorou o empresário, ainda chamado comerciante, razão pela qual nesse opúsculo usar-se-á um ou outro vernáculo em sentido similar, no seu trato com clientes e até com outros empresários, sempre com o intuito de obter o lucro, seu principal objetivo, além da inegável contribuição que costumeiramente levou para os cenários onde atua.
Mas o empreendimento comercial por seu crescimento e por sempre precisar de recursos para sua execução nem sempre contou com os auxílios governamentais, como hoje tem se sucedido, mais uma vez um reconhecimento por parte do Estado acerca da atividade desenvolvida pelo comerciante, antes contara com a associação de indivíduos que unidos pela idéia de lucro se reuniam para juntar esforços para exercer a atividade comercial.
Essa associação se dava ora com somas de dinheiro para aquisição de mercadorias, ora com a participação mais direta do sócio, através de seu esforço pessoal quando se reconhecia que sua força de trabalho contava tanto quanto a pecúnia investida no negócio. Chega-se assim à indústria, força de trabalho ou serviços prestados pelo comerciante que aliava seu labor ao investimento financeiro para perseguir a finalidade da empresa, qual seja o lucro.
Para este trabalho delimitar-se-á o campo de análise das entradas de indústria na formação do capital social das empresas, ou sociedades comerciais. Será feita uma leitura sobre a doutrina, legislação e jurisprudência de Brasil e Portugal dentro de um estudo comparado para ao final se concluir sobre as nuances desse instituto jurídico.

Sociedade Comercial

A sociedade comercial é um produto da evolução da prática comercial. O comerciante inicia sua atividade muita vez com recursos próprios e assim empreende sua atividade para buscar seu lucro numa ação solitária. Mas conforme essa atuação se desenvolve mais dinheiro se precisa investir, ou esforços devem ser agremiados para alcançar seus objetivos. Precisa, pois, se unir a indivíduos que tenham o mesmo interesse com as afinidades indiretas que acompanham essa relação. Esses indivíduos ora se chegam com dinheiro, ora com seu esforço pessoal. Nasce assim a sociedade comercial.
A doutrina, dentro da perspectiva histórica da evolução dessas sociedades, alicerçada pelos diversos diplomas legais que foram erigidos no afã de regular a atividade empresarial, esboçou conceito sobre a instituição, com mais ou menos elementos, mas sempre correspondente com seu desenvolvimento temporal.
Assim é que Paulo Olavo Cunha , analisando os artigos 230 e 980 e do Código Comercial português, conceitua sociedade comercial como aquela que sempre se proponha a realização de atos de comércio ou de uma atividade empresarial.
Entre os brasileiros, Fran Martins , indo além do Doutor lusitano, define-a como a <>. Pertinente o conceito do mestre brasileiro, pois neste ele aponta a presença da força de trabalho, ou indústria, como componente da formação da sociedade comercial.
Já aqui cabe anotar a discordância sobre uso da denominação sociedade comercial que faz Fábio Ulhoa Coelho para quem, mesmo discordando de outra denominação hoje utilizada em face do novo Código Civil Brasileiro – sociedade empresarial – acha mais correto dizer sociedade empresária, aludindo ao fato de que a sociedade é pessoa jurídica, singular, e sendo assim é ela empresária e não os sócios.
O Código Civil Brasileiro, com novo corpo apresentado pela Lei Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 ao dispor sobre direito empresarial, revogando assim as disposições do vestuto Código Comercial brasileiro de 1850, em seu art. 981 define que <>.
Seja sociedade comercial, empresária ou empresarial, o que se entende dos conceitos acima é que a sociedade se caracteriza pelo acordo de vontades de indivíduos que somam seus esforços, seja através de bens ou serviço para o exercício de atividade econômica com fim de alcançar lucros.
Dentro do conjunto de elementos que compõem o conceito de sociedade empresarial está a ideia de indústria ou serviço.
A indústria vem a ser a capacidade de trabalho que o sócio leva para a sociedade para auxiliar no desiderato de perseguir o objetivo daquela. Se lhe falta o recurso financeiro, entra-se com o esforço laboral que se soma ao dinheiro de outros sócios.
Ver-se-á adiante que a lei não permite o ingresso em capital social de serviço de sócio em toda e qualquer sociedade comercial.

Das Sociedades que Admitem a Indústria

Ante a singeleza que reveste este trabalho acadêmico não se poderá analisar todas as espécies de sociedade comercial, pelo que se deterá especificamente no arrolamento sucinto das que são compatíveis com a indústria ou prestação de serviços.
Nos termos do Código de Sociedades Comerciais português, as sociedades que podem contar com capital formado por indústria é a em nome coletivo e a em comandita simples. É o que se absorve da leitura dos arts. 178 e 472, 3 daquele diploma legal.
Nas demais existe previsão expressa da proibição de uso de indústria na formação do capital como, por exemplo, a da sociedade por quota, nos termos do art. 202, 1 do Código de Sociedades Comerciais.
O Código Civil Brasileiro, embora, como já se tenha apontado alhures, tenha contemplado no conceito de contrato de sociedade comercial a ideia da indústria, ou prestação de serviço para compor o capital social, não permite a utilização da prestação de serviços para formação de capital em todas as sociedades. Assim é que expressamente se permite no caso da sociedade simples, v. art. 997, inciso V , as sociedades em nome coletivo, consoante se interpreta do art. 1041 .

O Capital Social

Já se disse que para alcançar seus fins, a sociedade comercial precisa de meios para concretizá-los. Para tanto lança mão da utilização de bens ou serviços. Os bens e serviços incorporados à sociedade recebem o nome de capital social. Melhor se for feita uma leitura do conceito que autores portugueses e brasileiros fazem desse instituto.
O professor Paulo de Tarso Domingues ao analisar o conceito de capital social na doutrina, na lei e na jurisprudência chega à conclusão que não se pode chegar a uma definição definitiva. Existem inúmeras posições doutrinárias relevantes que encaram o capital social sob perspectivas diferentes, como também a legislação ao tratar do instituto apresenta noções díspares, de maneira que a jurisprudência também termina por não apresentar uma solução pacífica.
Por outro lado como atesta Domingues , ao concluir sobre os diversos conceitos e posições sobre o tema, o capital social se cobre de uma vertente formal, sendo ele um elemento do pacto social representado por uma cifra numérica que alude às participações sociais balizadas em entrada de bens; e uma real, representando o conjunto de bens destinados a garantir a sobrevivência da sociedade e do negócio.
Entre os brasileiros colaciona-se posição de Gladston Mamede para quem o capital social seria o volume de investimentos destinados a consecução dos fins sociais, representado por dinheiro, preferencialmente, por bens e até trabalho.

Entrada de indústria

A entrada de indústria consistiria na participação em capital social pelo sócio através de seu trabalho.
O Código das Sociedades Comerciais português dispõe em seu art. 20º que os sócios poderão contribuir para o capital social com seu trabalho, dentro daquelas sociedades compatíveis com o instituto, como referimos anteriormente.
Na esteira do mesmo dispositivo, tem-se que um dos efeitos deste tipo de entrada é impossibilitar que o sócio de indústria participe das perdas do negócio. É o que se infere da alínea b daquele dispositivo.
Outro efeito da entrada do sócio de indústria da sociedade é que, para sua participação, as dos sócios de capital serão reduzidas suas participações proporcionalmente para adequar o de indústria, conforme se vê no art. 136º do Código de Sociedades .
Já o artigo 176º , ao tratar das sociedades em nome coletivo, prescreve que à entrada de indústria quando da dissertação do contrato deve ser atribuído valor financeiro para efeitos de distribuição de lucros.
Por seu turno o art. 178 determina ainda que a participação do sócio de indústria não fará parte do capital social. Esclarece mais, que somente ele participará das perdas sociais se for expresso no contrato. Ocorrendo a previsão contratual, deverá ser reservada uma parte do capital social que corresponda àquela obrigação, conforme se depreende dos itens 2 e 3 do mesmo artigo.
Em outros tipos de sociedade não são permitidas a participação de indústria como bem se viu ao se tratar das sociedades que admitem a indústria. É que, conforme preleciona Domingues essas entradas são de difícil avaliação tanto por sua natureza quanto pela dificuldade que se tem em determinar o tempo de sua duração.
Em face do Código Civil Brasileiro em seu art. 997, ao regular as sociedades personificadas, deverá o contrato prever as prestações para formação do capital do sócio prestador de serviços.
Um outro efeito da entrada de indústria pela lei brasileira é que esse sócio não poderá, a menos que haja disposição contratual diversa, exercer atividade estranha à sociedade, sob pena de não participar dos lucros, segundo se lê no art. 1006 daquele diploma legal.
Ao se partilhar os lucros com o sócio de indústria, este receberá seus dividendos na proporção da média do valor das quotas de capital, inteligência do art. 1007 daquela norma.
A jurisprudência brasileira tem decidido sobre a questão em diversos aspectos é o caso do recurso 9065959862005826 SP 9065959-86.2005.8.26.0000 cuja relatora foi a ministra Christine Santini Anafe.
Naquele caso se decidiu que deveria haver a dissolução da empresa com liquidação e divisão de haveres iguais entre sócios de capital e de indústria.
Já no caso do recurso 762081 PR Apelação Cível - 0076208-1 em que foi Relator o Ministro Sérgio Rodrigues a questão se mostrou de forma diferente, onde ficou decido que a quota do sócio de indústria não poderia ser equiparada a do sócio de capital, pois seu trabalho não teria como ser convertido em dinheiro. Note-se que essa decisão foi exarada antes da vigência do novo Código Civil que é de 2002. Mas demonstra a evolução de pensamento do judiciário quanto ao tratamento do sócio de indústria.

Conclusão

As sociedades comerciais desempenham papel essencial na sociedade, realizando a circulação de riquezas, promovendo receita para o Estado e facilitando o acesso a produtos de interesses dos consumidores.
Para essas sociedades perseguirem seus fins necessitam de recursos que podem ser bens em espécie, dinheiro ou mesmo trabalho. Todas as contribuições podem ou não formar o capital social, mas univocamente são acionados para a consecução do objeto social.
Singular é a participação do sócio de indústria que leva sua força de trabalho para a sociedade.
O sócio de indústria, figura presente tanto no Direito Brasileiro quanto no Direito Português é limitado a alguns tipos societários, no caso, as sociedades em nome coletivo e a de comandita simples, sendo vedada em outros tipos societários.
A entrada de indústria nesses tipos societários permite que o sócio desse tipo receba sua parte dos lucros, mas sempre proporcional a média das quotas sociais dos sócios de capital.
Em regra não se permite sua participação nas perdas da empresa, salvo se houver estipulação expressa em contrário, devendo o contrato social prever como se dará essa obrigação.
Esse tipo de sócio, apesar de previsto no ordenamento jurídico dos dois países, está em franco desuso, tendo em vista não se poder avaliar financeiramente o valor da entrada na formação do capital social, também por que não se permite que o mesmo responda na mesma forma dos demais pelas perdas sociais, o que pode gerar uma situação de desequilíbrio entre os sócios.

Referências Bibliográficas

ANGHER, Anne Joyce. Organização. Vade Mecum Acadêmico de Direito. 13ª Ed. Rideel. São Paulo. 2011;
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(9065959862005826 SP 9065959-86.2005.8.26.0000, Relator: Christine Santini Anafe, Data de Julgamento: 28/01/2011, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/02/2011)
".(762081 PR Apelação Cível - 0076208-1, Relator: Sérgio Rodrigues, Data de Julgamento: 07/06/1995, Quarta Câmara Cível (extinto TA))
PORTUGAL. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS. Decreto-Lei n.º 262/86 de 02 de Setembro.
BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. DOU 11/1/2002. Institui o Código Civil.

RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO POR ATO JUDICIAL NUMA PERPECTIVA LUSO-BRASILEIRA

Introdução

A responsabilidade civil assume contornos de manifesta necessidade de se conduzir o Direito Civil para a seara das sanções efetivas contra o ataque ao direito alheio. Se por um lado esse ramo do Direito é de cunho privatístico onde impera o acordo de vontades, por outro lado ele deve cumprir a função de restabelecer situações ou mesmo estabelecer circunstâncias onde a vítima civil possa ter reparada lesão sobre direito seu ou ver punido civilmente aquele que infringiu aludido comando normativo que estabelecia uma situação legítima de direito. Ou como ensina José Alberto González a responsabilidade civil nasce contundentemente com a missão de possibilitar ao lesado imputar a lesão suportada a terceiro de forma que este venha recompor o estado anterior ao fato que seu comportamento suscitou.
O Estado não está imune a ser responsabilizado por atos que sejam praticados por seus órgãos, agentes ou concessionários ou permissionários de seus serviços. Conquanto, se chegar a essa realidade não tenha sido algo imediato, mas uma construção que nasce no Direito Administrativo francês como anuncia Maria Sylvia Zanella Di Pietro , hoje é um algo insofismável, em vista da gama de atividades exercidas pelo Poder Público que comumente não apenas interfere na vida dos particulares, mas seguramente tende a causar danos patrimoniais, ou morais, aos destinatários diretos e indiretos de seus atos.
Dentro desse contexto, todo o Poder Público se encontra em foque pela perspectiva da responsabilização extracontratual. E Poder Público se entende aqui os poderes que o compunha: Executivo, Legislativo e Judiciário. Se não há discussão acerca da responsabilização por atos praticados por seus órgãos diretos e indiretos, bem como pelos agentes relativamente ao Executivo, pacífico não se pode dizer sobre a questão envolvendo o Legislativo e o Judiciário. Mas precisamente, este último, onde o breve trabalho se detém, pontua-se distintas opiniões sobre a possibilidade de responsabilizar o Estado por atos judiciais, ou até mesmo diretamente seu agente principal, o juiz por danos provocados em virtude de decisões judiciais ou atos judiciários.
Nisso, se escreverá, ainda que sem cunho definitivo, acerca da responsabilidade do Estado por ato judicial que provoque lesões ao direito do particular, sendo obviamente matéria que embora se sirva do Direito Administrativo tem contornos eminentemente civis.

Responsabilidade Civil do Estado

Conceitua-se a responsabilidade civil do Estado, amparando-se em Diógenes Gasparin como a obrigação que se lhe imputa de restabelecer os danos causados aos particulares em razão de <>
Diz-se obrigação por ser efeito do ato lesivo praticado, seja ele licito ou ilícito. Essa obrigação que decorre do ato lesivo pode ser contratual, se oriunda de um contrato administrativo, ou extracontratual se se origina da prática de atos administrativos.
O dano é a lesão ao patrimônio do sujeito que tanto se verifica na sua esfera patrimonial, quanto pessoal, no caso do dano moral, como explica González.
O principal efeito da obrigação é restabelecer, recompor o estado anterior ao dano. Reparar a lesão. A recomposição tem como efeito fazer com que a lesão seja curada ou amenizada.
Certamente, o dano deve existir em nexo com ato unilateral praticado pelo Poder Público, através de seus órgãos e agentes, pois se houver a concorrência do lesado, as conseqüências serão outras como se verá adiante. O ato pode ser comissivo, onde a prática do ato provoca a lesão, ou omissivo, quando a omissão do Poder Público implica a provocação do dano.
A questão da legitimidade está jungida a questão da legalidade do ato e sua materialidade e juridicidade adstrita ao campo da vinculação ou não vinculação do ato administrativo, observadas as circunstâncias fáticas que levaram a sua existência, ou ausência.
E o ato deve ser imputável ao Poder Público lesante. O fato que se verifica, ou melhor, a causa, deve estar atrelada àquele Poder Público, devendo se identificar o agente ou órgão que cometeu o ato, ou deveria ter cometido, no caso da omissão.

A Responsabilidade do Estado por Ato Judicial

Dentro daquele conceito que se trabalhou acima se passa a analisar a responsabilidade do Estado por ato judicial.
Antes de prosseguir, porém, se impõe esclarecer certos conceitos que possam permitir o melhor entendimento da questão.
O Estado é a representação soberana de uma determinada Nação em relação a outra. São seus elementos: povo, como sendo o conjunto de indivíduos unidos por uma mesma língua e cultura; território, o local estabelecido como espaço geográfico e jurídico; poder, a expressão do Estado em relação aos seus internos, significando a capacidade de impor suas determinações; e por último, soberania, o elemento externo que faz valer a existência de um Estado em relação a outros.
Agora, as funções públicas do Estado são três: Executivo, Legislativo e Judiciário. Seguramente, o Poder do Estado se expressa através dessas três funções ou Poderes. Mas todos eles são expressão de único ente, o Estado.
Agente administrativo é todo aquele que exerce função pública, praticando atos em nome do Poder Público, seja diretamente, ou por meio de concessão. Não cabe aqui aprofundar o assunto, posto não ser o objetivo da matéria ora tratada.
Essas breves ilações têm o condão de servir para esclarecer certos pontos.
É que, embora se possa contar uma crescente corrente reconhecedora da responsabilidade do Estado quando da lesão decorrente de ato judicial, como bem expôs Fausto de Quadros em sessão no Ministério da Justiça, opiniões de alto quilate se avolumam contra e a favor, e no caso dos primeiros alegam pontos pertinentes à natureza da função do Poder Judiciário.
Com efeito, Sergio Cavalieri Filho relembra que autores renomados como Carlos Maximiliano, Mario Guimarães não concordam com a responsabilidade porque a função jurisdicional é soberana, não podendo em razão da independência entre poderes ser responsabilizada por erros judiciais, assim como o juiz não seria um agente público, nem poderia ter sua atuação comedida pelo efeito da responsabilização civil, senão em casos expressos pela lei.
Da mesma forma Gasparin assim entende não concebendo a responsabilidade do Estado por ato judicial lesivo a terceiro, em razão do caráter soberano do Poder Judiciário.
Contra essa tese, outros autores de respaldo jurídico advogam tese contrária, como Di Pietro que entende não poder a independência entre poderes ter o efeito de impedir a responsabilidade do Estado nesses casos, como também, não se pode entender o juiz como não sendo agente público. No caso, a Constituição Brasileira em seu art. 37, §6º ao nomear agente público não excluiu os magistrados dessa denominação, reforçando a tese da responsabilização enquanto agente público.
O ordenamento jurídico português prevê a responsabilidade do Estado por ato judicial lesivo. Assim é o que se entende dos arts. 22; 27, 5; 29, 6; e 271, 1 da Constituição da República Portuguesa. Tratam esses dispositivos da responsabilidade objetiva do Estado, onde este responde individualmente pelo dano sofrido pelo particular. Existe, contudo, a possibilidade da responsabilidade solidária entre o Estado e órgãos ou agentes. É que a Lei 67/2007 que trata da responsabilidade extracontratual do Estado passou a contemplar a responsabilidade por atos judiciais que forem manifestamente ilegais e desprovidas de razoabilidade. É a inteligência do art. 12 daquele diploma legal.
Há ainda os casos de erro judiciário e à prisão preventiva ilegal ou injustificada. Nestes últimos soergue a clara disposição legal que impõe a responsabilidade civil do Estado por decisão judicial, ou omissão jurisdicional que permite a permanência de sujeito em prisão, quando não haja respaldo legal ou não se encontre justificativas fáticas autorizando a manutenção ou criação da medida restritiva de liberdade.
A dificuldade maior se revela no tocante ao erro judiciário. O erro judiciário é aquele manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificado, sendo entendido por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de fato, consoante a leitura do art. 13 daquela lei.
Leciona João Coupers que deve haver a prova cabal de culpa grave ou dolo. Condições que passam pelo crivo dos próprios magistrados, o que segundo o autor não é fácil de justificar.
Pelo ordenamento brasileiro, a Constituição de 1988 em seu art. 37, §6º instituiu a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos causados por agentes no exercício de suas funções.
Nesse enquadramento por si só entraria o Juiz, enquanto agente público e praticante de atos em nome do Estado.
Ensina Cavalieri , por outro lado que o art. 5º, inciso LXXV da Constituição Brasileira, consagrou ainda a garantia da reparação por dano oriundo de erro judiciário e por prisão ilegal ou injustificada além do tempo expresso em condenação. A Carta Magna Brasileira teria assim criado a figura do ato judicial típico para efeitos de responsabilidade civil do Estado. Como bem aponta o autor brasileiro, erro judiciário seria aquele equivocado e gravoso e que impõe dano a alguém, seja em processo criminal, seja civil. Por isso o mesmo autor se filia a ideia de que só poderia haver a responsabilidade por ato judicial somente naqueles casos tipificados.
Mas eis que o Código de Processo Civil Brasileiro, em seu art. 133 dispõe que o Juiz responderá por perdas e danos quando no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude, recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Neste caso haverá a responsabilidade pessoal do Juiz e possivelmente solidária do Estado. Mas aqui a lei cuida do assunto, deixando claros os casos em que o haverá essa responsabilidade. De toda sorte, como preceitua Hely Lopes Meireles , a culpa ou dolo devem ser comprovados de maneira exaustiva.
Há quem sustente a tese de que não poderia se consumar a responsabilidade civil por ato judicial lesivo, pois haveria ofensa à coisa julgada. Todavia, não tem como prosperar tal entendimento ante o fato de que a ação de reparação de dano não estará buscando a alteração da coisa julgada, mas ao tempo que se prove o erro judiciário gravoso, as conseqüências advindas desse descobrimento são que se desdobrarão em conseqüências que inovam no âmbito do direito do Poder Público e do terceiro lesado.
A jurisprudência tanto brasileira quanto portuguesa é coincidente no sentido de expressar que a responsabilidade do Estado por ato judicial lesivo é uma realidade. As ressalvas que se fazem, ambas em seu campo normativo é que deve ser manifesta a culpa grave ou dolo do magistrado, não sendo qualquer efeito negativo que impõe essa responsabilidade. Exemplifica-se, por exemplo, dentre outras, o julgado 1268/03.6TBPMS.L1.S1 , de lavra do Ministro Moreira Alves onde a decisão naquele processo preconizou que o erro judicial deve ser manifesto e notório.
A prisão em flagrante que não é relaxada de imediato quando se verifica que seus pressupostos não estão presentes acarreta a indenização ao sujeito que sofreu a lesão, como se verifica no julgado 3788533820098260000 SP 0378853-38.2009.8.26.0000, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 21/02/2011, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/03/2011

Conclusão

A responsabilidade do Estado por seus atos é matéria pacífica na doutrina e na jurisprudência, seja no Brasil, seja em Portugal.
Não se discute mais se o Estado é responsável por danos ocasionados por seus agentes, tendo se consagrado a responsabilidade objetiva do Estado.
A responsabilidade do Estado por ato judicial lesivo é uma construção, primeiramente, doutrinária e jurisprudencial, incerta em texto constitucional, como o caso brasileiro.
A legislação infraconstitucional brasileira e portuguesa regulou a matéria explicitando os casos em que o Estado responderá por decisões lesivas oriundas do Poder Judiciário.
O Juiz responderá pessoalmente pelos danos que causar se incorrer em dolo e culpa grave ou na prática e omissão de atos que impediram o bom andamento do processo.
A jurisprudência dos dois países, à amostra do que consta no anexo, é receptora à responsabilização do Estado por erro dos magistrados, mas desde que não se ofenda à coisa julgada e que fique comprovado o dolo e a culpa do juiz.
Com efeito, não é qualquer erro ou interpretação da lei que autoriza a responsabilidade por ato judicial lesivo, há de ficar manifesto o erro grosseiro ou abusivo, mesmo ilegal, da decisão para que possa induzir a responsabilidade do dano.

Anexo

Jurisprudência Portuguesa
Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 1268/03.6TBPMS.L1.S1 Nº Convencional: 1ª SECÇÃO Relator: MOREIRA ALVES Descritores: PRISÃO PREVENTIVA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO FUNÇÃO JURISDICIONAL ERRO GROSSEIRO ILEGALIDADE OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR Data do Acordão: 11/10/2011 Votação: MAIORIA COM 3 DEC VOT Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO - PRISÃO PREVENTIVA Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 202.º, 225.º.

Sumário :
I - No âmbito do regime previsto no art. 225.º do CPP (na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29/08), para que nasça o dever de indemnizar por parte do Estado, não basta que a detenção ou prisão preventiva seja ilegal, é ainda necessário que essa ilegalidade seja manifesta ou notória.

II - Na falta de critério legal, será manifesta a ilegalidade da detenção ou prisão preventiva quando for evidente, fora de qualquer dúvida razoável, que foram efectuadas sem estarem presentes os respectivos pressupostos legais.

III- A lei distingue entre prisão preventiva ilegal e prisão preventiva manifestamente ilegal. A simples ilegalidade fundamenta, desde logo o direito de recorrer ou de lançar mão da providência de habeas corpus mas não justifica o pedido de indemnização, que apenas se sustenta na ilegalidade manifesta.

IV - A prisão preventiva ilegal pode ter origem em erro de direito, isto é, num erro que recai sobre a existência ou conteúdo duma norma jurídica (erro de interpretação), ou sobre a sua aplicação (erro de aplicação).

V - Em todo o caso, a relevância do erro, para o efeito de constituir o Estado no dever de indemnizar nos termos do n.º 1 do art. 225.º do CPP, só surge se se tratar de erro manifesto, isto é, grosseiro, notório, crasso, evidente, indesculpável, que se encontra fora do campo em que é natural a incerteza. Só esta notoriedade do erro transforma a prisão preventiva decretada à sua sombra em manifestamente ilegal.

VI - A previsão do art. 225.º, n.º 2, do CPP, apesar de falar em erro grosseiro, abrange também o chamado acto temerário, sob pena de se tornar praticamente inaplicável à generalidade dos casos.

VII - Entende-se por acto temerário aquele que, integrando um erro decorrente da violação de solução que os elementos de facto notória ou manifestamente aconselham, se situa num nível de indesculpabilidade e gravidade elevada, embora de menor grau que o erro grosseiro propriamente dito.

VIII - A apreciação a fazer no sentido de qualificar o eventual erro como grosseiro (ou temerário), terá de reportar-se, necessariamente, ao momento, em que a decisão impugnada teve lugar.

IX - A medida de coacção de prisão preventiva, além de subsidiária em relação às demais previstas na lei, só pode ser aplicada se “houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos”, como prescreve o art. 202.º do CPP, o que implica, necessariamente, e antes de mais, que, no momento da aplicação da medida, sejam ponderados concreta e criticamente todos os indícios até então recolhidos, que só serão relevantes para fundamentar a medida se forem fortes, isto é, se, tendo em conta as regras da experiência comum, revelarem uma séria probabilidade de ter o arguido praticado os factos que lhe são imputados. Não basta, por isso, a existência de indícios da prática do crime se estes não forem firmes e seguros ou forem exclusivamente indirectos ou circunstanciais.

X - Se o despacho judicial que ordenou a prisão preventiva do autor teve como indiciados os crimes constantes da acusação pelo simples facto de dela constarem, sem qualquer apreciação concreta da prova indiciária, para a qual remeteu acriticamente, presumindo que, tendo sido deduzida acusação pelo MP, existiriam suficientes indícios da actividade criminosa que lhe era imputada, mostra-se inadmissível e, portanto, manifestamente ilegal tal interpretação da lei.

XI - Ainda que se entenda que a remissão para a acusação implica, também, remissão para a prova indiciária, mesmo assim é difícil sustentar que o decisor judicial ponderou, ele próprio, e concretamente a dita prova indiciária, como tinha obrigação de fazer, se o despacho não aponta minimamente nesse sentido.

XII - Se a acusação deduzida contra o autor se fundou em prova indiciária genérica, conclusiva e inconcludente, manifestamente insuficiente para se ter como indiciada a prática de qualquer de qualquer dos crimes que lhe foram imputados, existindo meras suspeitas do envolvimento do autor, mas sem base factual em que as apoiar, não se verificam os fortes indícios a que a lei se refere e que justificam, em primeira linha, a aplicação da medida da coacção mais gravosa, isto é, a medida de prisão preventiva (art. 202.º, n.º 1, al. a), do CPP).

XIII - Se o despacho que determinou a prisão preventiva do autor fez aplicação manifestamente errada das normas que estabelecem os pressupostos de aplicação da referida medida, maxime, do art. 202.º, n.º 1, al. a), do CPP, na medida em que não analisou a prova indiciária existente (e que era completamente inconsistente) no sentido de verificar e ponderar, como era elementar, da existência de fortes indícios da prática dos crimes imputados ao autor na acusação, condição primeira e necessária da aplicação da medida, estar-se-á no campo do erro de direito, que se mostra grosseiro, evidente e fora do campo em que é natural a incerteza, gerador, por isso, da manifesta ilegalidade da prisão preventiva decretada (art. 225.º, n.º 1, do CPP).

XIV - Estar-se-á no âmbito do erro do facto, ou seja, no âmbito do erro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação da medida a que se refere o n.º 2 do art. 225.º, perante o erro na apreciação dos indícios disponíveis da prática dos crimes, que é a primeira operação a realizar pelo julgador e da qual depende, desde logo, a aplicação da medida.

XV - Verificando que a factualidade existente, na data em que a prisão preventiva foi ordenada, não passava de meras suposições ou suspeitas genéricas e inconcludentes, que de modo nenhum autorizavam o decisor a concluir pela existência de fortes e seguros indícios de que o autor tivesse cometido os crimes que se lhe imputavam na acusação, a valoração da prova indiciária (a ter sido realmente efectuada) que incidiu sobre o primeiro e essencial pressuposto de que dependia o decretamento da prisão preventiva, traduziu-se numa valoração manifestamente errada e inadmissível, visto que a factualidade recolhida no inquérito, não suportava, com toda a evidência, tal valoração.

XVI - Tratando-se de erro grosseiro ou, pelo menos, de acto temerário que o decisor podia e devia ter evitado, verifica-se a obrigação do Estado indemnizar o autor pela prisão que injustamente suportou.

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 5715/04.1TVLSB.L1.S1 Nº Convencional: 6ª SECÇÃO Relator: AZEVEDO RAMOS Descritores: PRISÃO PREVENTIVA RESPONSABILIDADE CIVIL CASO JULGADO FORMAL ERRO GROSSEIRO ERRO TEMERÁRIO Data do Acordão: 22/03/2011 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO; NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITOS FUNDAMENTAIS - DIREITO PENAL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DIREITO PROCESSUAL PENAL Doutrina: - Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Vol. III, pág. 93. - Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, págs. 359, 361. - Castro e Sousa, Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 162/163. - Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, Parecer nº 12/92, de 30 de Março de 1992. - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 187. - João Aveiro Pereira, Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, pág. 215. - Luís Guilherme Catarino, A Responsabilidade do Estado pela Administração da Justiça, págs. 355 e 380. - Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 11ª edição, págs. 464, 465. - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 138. - Manuel de Andrade, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 239. - Mouraz Lopes, A responsabilidade civil do Estado pela privação da liberdade decorrente da prisão preventiva, Revista do Ministério Público, pág. 85. - Rui Medeiros, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, pág. 105. Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 4.º, 498.º, 502.º, 671.º, 672.º, 674-B, Nº1, 690.º, NºS1 E 4, 722.º, Nº1, 754.º, Nº2. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 12.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 113.º, Nº6, 171.º, 172.º, NºS1 E 2, 178.º, NºS1 E 4. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 33.º, Nº2, 193.º, NºS 1 E 4, 202.º, Nº1, ALÍNEA A), 204.º, ALS. B) E C), 225.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 22.º, 27.º, NºS 1 E 5, 32.º, Nº2. LEI DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA Nº 43/86, DE 26 DE SETEMBRO: - ARTIGO 2.º, Nº2, ALÍNEA 38.Legislação Estrangeira: CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM: - ARTIGOS 5.º, Nº5, 6.º, Nº2. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 10-7-96, BOL. 459-462; DE 6-5-03, PROCESSO Nº03A720; DE 29-4-08, PROCESSO Nº 07A4712; DE 19-3-09, PROCESSO Nº 08S3049; - DE 11-11-99, REVISTA Nº743/1999, 1ª SECÇÃO; DE 9-12-1999, REVISTA Nº726/999, 1ª SECÇÃO; DE 6-1-00, REVISTA Nº1004/1999, 7ª SECÇÃO; DE 4-4-00, REVISTA Nº104/2000. 6ª SECÇÃO; DE 20-6-00, REVISTA Nº433/2000, 6ª SECÇÃO; DE 19-9-02, REVISTA Nº2282/2002, 7ª SECÇÃO; DE 13-5-03, REV.1018/2003, 6ª SECÇÃO; DE 27-11-03, REV.3341/2003, 7ª SECÇÃO; DE 1-6-04, REVISTA Nº1572/2004, 6ª SECÇÃO; DE 19-10-04, REVISTA Nº2543/2004, 7ª SECÇÃO; DE 29-6-05, REVISTA Nº1064/05-6ª SECÇÃO; DE 20-10-05, REVISTA Nº 2490/05, 7ª SECÇÃO; DE 15-2-07, REVISTA Nº 4565/2007, 2ª SECÇÃO; DE 22-1-2008, REVISTA Nº 2381/07, 1ª SECÇÃO; DE 19-6-08, REVISTA Nº1091/2008, 7ª SECÇÃO; DE 11-9-08, REVISTA Nº 1748/2008, 2ª SECÇÃO; DE 22-6-10, PROCESSO Nº3736/2007, 1ª SECÇÃO;-DE 11-9-08, PROCESSO Nº 08B1747, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT ; -DE 12-11-98, PUBLICADO NA COLECTÂNEA DE .ACÓRDÃOS DO S.T.J., VI, 3º, 112; E, DE 11-3-03, PROCESSO Nº03A418, EM WWW.DGSI.PT; -DE 12-10-00, REVISTA Nº 2321/2000, 2ª SECÇÃO. ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - Nº 160/95, DE 15-3-95 95 ( B.M.J. SUPLEMENTO Nº 446, PÁG. 584 E SEGS.); Nº 416/2003, DE 24 DE SETEMBRO DE 2003; Nº 12/2005, DE 12-1-05; Nº 13/2005 DE 13 DE JANEIRO DE 2005 ; Nº 185/2010, DE 12-5-10, ACESSÍVEIS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :

1 – Quando o recorrente tenha conseguido determinar de forma razoavelmente clara os pontos em que discorda e os fundamentos por que discorda da decisão recorrida, bem como a solução que sustenta e os fundamentos dela, não pode deixar de se considerar, apesar da sua maior extensão, que foram apresentadas conclusões, no sentido relevante para o efeito previsto no art. 690, nº4, do C.P.C.

II – Se um Acórdão, proferido em processo crime, versa apenas sobre uma decisão interlocutória relativa à apreciação de uma medida de coacção aplicada a um arguido, e não conhece do mérito (condenação ou absolvição), apenas forma caso julgado formal no âmbito do respectivo processo, não tendo qualquer efeito fora dele.

III – O art. 22 da Constituição da República Portuguesa estabelece um princípio geral de directa responsabilidade civil do Estado.

IV – Em alargamento dessa responsabilidade a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, para além do clássico erro judiciário, o art. 27, nº5, da mesma Lei Fundamental, impõe ao Estado, de modo especial, o dever de indemnizar quem for lesado por privação ilegal da liberdade, nos termos que a lei estabelecer.

V – Daí que, na sequência do comando constitucional do citado art. 27, nº5, tenha surgido o art. 225 do C.P.P.

VI – O art. 225 do C.P.P., na redacção anterior ao início da vigência da Lei 48/2007, comporta a prisão preventiva manifestamente ilegal ( nº1) e a prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada na apreciação dos seus pressupostos de facto de que dependia ( nº2).

VII – Apesar da lei falar apenas em erro grosseiro, o art. 225, nº2, do C.P.P. também abrange o chamado acto temerário.

VIII – A apreciação a fazer no sentido de qualificar o eventual erro como grosseiro ou temerário, terá de reportar-se, necessariamente, ao momento em que a decisão impugnada teve lugar.

IX – Será com base nos factos, elementos e circunstâncias que ocorriam na altura em que a prisão foi decretada ou mantida que ele tem de ser avaliado ou qualificado como erro grosseiro ou temerário.

X – É irrelevante, para tal qualificação, o facto do arguido, mais tarde, ter sido absolvido ou ter sido objecto de não pronúncia pelos crimes de que se encontrava acusado.

XI - Não é de aceitar a imputação ao Estado de uma responsabilidade objectiva geral por actos lícitos praticados no exercício da função jurisdicional, em termos de abranger, para além do clássico erro judiciário, a legítima administração da justiça, em sede de detenção e de prisão legal e justificadamente mantida.

XII – O art. 225, nºs 1 e 2 do C.P.P. não sofre de inconstitucionalidade.

Acórdãos STJ
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 368/09.3YFLSB Nº Convencional: 1ª SECÇÃO Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS Descritores: RESPONSABILIDADE DO ESTADO ACTOS JURISDICIONAIS ERRO GROSSEIRO ATRASO NA DECISÃO Nº do Documento: SJ Data do Acordão: 08/09/2009 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
1. Ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967,a generalidade da doutrina passou a propender para que o artigo 22.º da Constituição da República abrangesse não só a responsabilidade do Estado por danos resultantes do exercício da função administrativa, mas igualmente das funções legislativa e jurisdicional, por não conter quaisquer restrições. Considera-se que a norma constitucional revogou os preceitos daquele Decreto-Lei que, eventualmente, impedissem essa interpretação.

2. O artigo 22.º da Constituição da República é uma norma directamente aplicável cumprindo aos tribunais a sua implementação tendente a assegurar a reparação dos danos resultantes de actos lesivos de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos cidadãos.
3. Para que não se corra o perigo de entorpecer o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova. Certo, ainda, que nesta perspectiva, o sistema de recursos, e a hierarquia dos instâncias, contribuem, desde logo, para o sucessivo aperfeiçoamento da decisão, reduzindo substancialmente a possibilidade de uma sentença injusta.

4. Ponderando a data de entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e a data da decisão que a Autora entende ter-lhe causado danos é de aplicar o regime anterior por força do artigo 2º daquele diploma e do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

5. A lei aplicável é – face à entendida parcial revogação do Decreto-Lei n.º 48051 – directamente, o artigo 22.º da Constituição da República.

6. Porém, o novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado na parte referente aos actos praticados no exercício da função jurisdicional, autoriza a criação de uma norma de decisão para a densificação do artigo 22.º da Constituição da República, como garantia o direito que este diploma consagra.

7. Trata-se de valorar, por forma mais clara e delineada, o conceito de “erro judiciário” para assim lograr um dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado nesta área. Socorremo-nos, então, dos novos conceitos para aquilatar da aplicação do artigo 22.º da lei fundamental, norma que, como se disse, é directamente aplicável consagrando um princípio geral e uma garantia constitucional.

8. A falta de celeridade (ou decisão não proferida “em prazo razoável”) deve ser aferida casuisticamente, na ponderação da dificuldade da causa, dos incidentes suscitados, da logística acessível ao magistrado, da necessidade de cumprimento estrito do formalismo da lei, da cooperação entre os julgadores que integram o conclave, na busca de soluções que evitem jurisprudência contraditória, na racionalidade da distribuição e, finalmente, nas características idiossincráticas do julgador. Tudo isto sem aludir à necessidade de contingentação, aos apoios de assessoria e secretariado que a gestão e o legislador tantas vezes olvidam.

9. A decisão não é inconstitucional, salvo se tomada por um órgão não competente segundo a lei fundamental. Poderá é aplicar uma norma, seu segmento ou interpretação, em violação do normativo constitucional.

10) Porém, o que o legislador pretendeu foi sancionar a decisão assim viciada se na sua origem está um “erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.”.

11) O erro grosseiro é o que se revela indesculpável, intolerável, constituindo, enfim, uma “aberratio legis” por desconhecimento ou má compreensão flagrante do regime legal.

12) Não se trata de erro ou lapso que afecta a decisão mas não põe em causa a sua substância (“error in judicio”).

13 )Não será, outrossim, um lapso manifesto. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade factica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente.
Jurisprudência Brasileira
RESPONSABILIDADE CIVIL.Erro judiciário. Prisão preventiva. Absolvição por falta de pro¬vas. Alegação de prejuízos morais. - 1. Responsabilidade civil Atos judiciais.- Não ensejam responsabilidade civil os atos lícitos praticados pelo Estado cujo núcleo implica, por si mesmo, no sacrifício do direito de alguém, como são exemplo a prisão em flagrante, a per-secução penal legitimamente procedida ou o encarceramento de quem foi condenado. Ina-plicação do art. 37, § 6o da Constituição Federal Os atos judiciais podem, em tese, gerar obrigação de indenizar quando evidenciada a culpa do serviço. Trata-se de responsabilida¬de subjetiva, que exige demonstração do dolo ou culpa grave, que não se insere no risco administrativo previsto no art. 37, § 6o da CF. - 2. Prisão preventiva. Atividade judiciária. A custódia era decorrência natural do contexto processual A absolvição não se deu por falta de materialidade do delito, mas sim por falta de provas. Não se vê erro, dolo ou culpa do juiz a ensejar a responsabilização do Estado.37§ 6oConstituição Federal37§ 6oCF- Improcedência. Apelo do autor desprovi-do.

(3788533820098260000 SP 0378853-38.2009.8.26.0000, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 21/02/2011, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/03/2011)
Trata-se de agravo de instrumento contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário que impugna acórdão assim do:"Responsabilidade civil -Ação contra o Poder Público buscando reparação de prejuízo suportado por erro judiciário e que consistiu no desconto equivocado do valor da pensão alimentícia no salário do alimentante -inadmissibilidade de se colocar o juiz no pólo passivo, competindo ao Estado exercer o direito de defesa institucional para, em se verificando ilicitude, aplicar o direito de regresso do artigo 37, § 6º, da CF -Precedente do STF -Não provimento" (fl. 137) No recurso extraordinário, interposto com fundamento no artigo 102, III, "a", da Constituição Federal, sustenta-se ofensa aos artigos 5º, XXXV e 37, § 6º, da Carta Magna.O recorrente insurge-se, em síntese, contra decisão do tribunal de origem que excluiu magistrado do pólo passivo da relação jurídica, ao fundamento de que a ação de responsabilidade civil por suposto erro judiciário deve ser intentada apenas contra o ente político.Decido.O recurso não merece prosperar.Isto porque o acórdão recorrido seguiu entendimento firmado por esta Corte no sentido de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, no exercício da função jurisdicional, ressalvados apenas os casos expressamente previstos em lei.Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:"Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica.3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido" (RE 228.977, Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, DJ 12.4.2002)."RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ATO DO PODER JUDICIÁRIO. O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei. Orientação assentada na Jurisprudência do STF.Recurso conhecido e provido" (RE 219.117, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 29.10.1999)."CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. ART. 5º, LXXV, 2ª PARTE. ATOS JURISDICIONAIS.FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. O Supremo Tribunal já assentou que, salvo os casos expressamente previstos em lei, a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos de juízes. 3. Prisão em flagrante não se confunde com erro judiciário a ensejar reparação nos termos da 2ª parte do inciso LXXV do art. 5º da Constituição Federal. 4. Incidência da Súmula STF 279 para concluir de modo diverso da instância de origem. 5. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. Precedentes. 6. Agravo regimental improvido" (re-ed 553.637, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma,DJe 25.9.2009)."CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: ATOS DOS JUÍZES. C.F., ART. 37, § 6º. I. - A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei.Precedentes do Supremo Tribunal Federal. II. - Decreto judicial de prisão preventiva não se confunde com o erro judiciário - C.F., art. 5º, LXXV - mesmo que o réu, ao final da ação penal, venha a ser absolvido. III. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido" (RE-AgR 429.518, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 28.10.2004).Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (arts. 21, § 1º, do RISTF e 557, caput, do CPC).Publique-se.Brasília, 24 de janeiro de 2011.Ministro GILMAR MENDESRelatorDocumento assinado digitalmente.37§ 6ºCF102IIIConstituição Federal5ºXXXV37§ 6ºCarta Magna37§ 6ºCF/88LXXV5ºConstituição FederalC.F.37§ 6ºC.F.5ºLXXVCPC

(782791 SP , Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 24/01/2011, Data de Publicação: DJe-027 DIVULG 09/02/2011 PUBLIC 10/02/2011)

ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA - JUIZ REAL DESTINATÁRIO DAS PROVAS - UNIVERSIDADE AUTORA QUE ALEGOU QUE SOFREU DANOS EM VIRTUDES DOS ATOS JUDICIAIS ADOTADOS PELO MAGISTRADO, NA CONDUÇÃO DE PROCESSO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA - ESTADO COMO PARTE LEGITIMA PARA FIGURAR NO PÓLO PASSIVO DA DEMANDA INDENIZATÓRIA, POIS DEVE RESPONDER POR ERROS JUDICIÁRIOS - ART. ART. 5º, LXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATO JUDICIAL TÍPICO SE REVESTE DE CERTAS PECULIARIDADES, EM VIRTUDE DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS QUE GOZAM OS MAGISTRADOS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO - DECRETADA A MEDIDA JUDICIAL NOS TERMOS DA LEI, NÃO HÁ QUE SE FALAR EM DANOS PASSÍVEIS DE INDENIZAÇÃO - MAGISTRADO QUE DETERMINOU REFORÇO POLICIAL PARA O CUMPRIMENTO DA PENHORA - CERTIDÃO DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA QUE DEMONSTRAM QUE OS FUNCIONÁRIOS DA UNIVERSIDADE RÉ OBSTAVAM O CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL - REFORÇO POLICIAL LEGALMENTE PREVISTO NOS ART. 579 E 662 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - MEDIDA DECRETADA NOS TERMOS DA LEI - IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO, POIS NÃO HOUVE NENHUMA ILICITUDE NO ATO - SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.5ºLXXVCONSTITUIÇÃO FEDERAL579662CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

(7465618 PR 0746561-8, Relator: Eugenio Achille Grandinetti, Data de Julgamento: 31/05/2011, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 5715)

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7465618 PR 0746561-8, Relator: Eugenio Achille Grandinetti, Data de Julgamento: 31/05/2011, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 5715;
782791 SP , Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 24/01/2011, Data de Publicação: DJe-027 DIVULG 09/02/2011 PUBLIC 10/02/2011;
3788533820098260000 SP 0378853-38.2009.8.26.0000, Relator: Torres de Carvalho, Data de Julgamento: 21/02/2011, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/03/2011;
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 1268/03.6TBPMS.L1.S1 Nº Convencional: 1ª SECÇÃO Relator: MOREIRA ALVES Descritores: PRISÃO PREVENTIVA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO FUNÇÃO JURISDICIONAL ERRO GROSSEIRO ILEGALIDADE OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR Data do Acordão: 11/10/2011 Votação: MAIORIA COM 3 DEC VOT Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO - PRISÃO PREVENTIVA Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 202.º, 225.º.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 5715/04.1TVLSB.L1.S1 Nº Convencional: 6ª SECÇÃO Relator: AZEVEDO RAMOS Descritores: PRISÃO PREVENTIVA RESPONSABILIDADE CIVIL CASO JULGADO FORMAL ERRO GROSSEIRO ERRO TEMERÁRIO Data do Acordão: 22/03/2011 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO; NEGADA A REVISTA Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITOS FUNDAMENTAIS - DIREITO PENAL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - DIREITO PROCESSUAL PENAL.
QUADROS, Fausto de. A Responsabilidade Civil Extracontratual Do Estado - Problemas Gerais. [Consult. 29 Nov. 2011]. Disponível em WWW:
CAUPERS, JOÃO. CAPÍTULO VIII. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO E OUTROS ENTES PÚBLICOS. [Consult. 29 Nov. 2011]. Disponível em WWW:

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