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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Verdade e Justiça na Prática Judiciária


Introdução


Verdade e Justiça são dois conceitos que estão no pensamento jurídico desde que se propôs estudar a aplicação das normas reguladoras do comportamento social, especialmente as jurídicas.
Da mesma forma são usualmente utilizadas como fundamento de argumentação jurídica para se chegar ao fim de uma discussão sobre uma determinada tese.
A legislação processual como um todo prescreve métodos de busca de ambos os conceitos, segundo a cultura e a época de cada país, vislumbrando direitos e bens a serem tutelados, o que influencia distintamente a busca de cada um.
A Metodologia do Direito se orienta no sentido de estabelecer um método que se proponha alcançar ou até mesmo discutir se esses verbetes têm importância crítica no desenvolvimento de uma argumentação jurídica, como fundamento de validade ou objetivo daquela última.
Inexiste razão, no entanto, para se explorar todas as vertentes de verdade e justiça neste trabalho.
Um único âmbito deve ser delimitado para o desenvolvimento deste estudo e é o jurídico.
Releva para tanto, verificar alguns significados de cada palavra e como se relacionam dentro do estudo da Metodologia do Direito e na Teoria do Processo, elegendo aqueles que mais interessam para um discurso diretamente relacionado com o tema que se propõe aqui.
Aludir, ainda que brevemente ao princípio da livre convicção do juiz e aos meios de prova, importa na medida em que ambos dão a perspectiva de como verdade e justiça são tratados pelo intérprete da lei, o juiz, e que meios dispõe este para exarar sua decisão, observando aqueles elementos.
De mesmo valor, trazer à lume exemplos da legislação brasileira e portuguesa, auxiliam no entendimento de como se dá na prática a busca da realização, se é que assim se pode dizer, dos conceitos ora asseverados, culminando com a análise de exemplos de jurisprudências oriundos dos dois países, ambos ricos em decisões sobre o tema.
Todavia, cabe a advertência de Marina Gascón Abellán (1) que jamais se chega a uma verdade absoluta, ou como acentua por outro lado Ada Pellegrini Grinover (2) justiça é dar a cada um o que é seu, de modo que esse último também não possui um conceito absoluto, já que não há justiça absoluta, quando a mesma pende para um lado.

Referência:
(1)  ABELLÁN, M. G – Los Hechos en El Derecho. (2010) p. 25
(2)  GRINOVER, A.P. – Teoria Geral do Processo (1998) p. 36

1.    Conceitos de Verdade


Conceituar verdade é necessário, ainda que de forma não definitiva, posto não ser esse o objetivo aqui, mas que traz elementos para a compreensão deste discurso. Inicialmente, visitando o léxico, ou seja, a definição da Língua Culta, para em seguida se deter nas mais voltadas para o âmbito de investigação a que se propõe.
Silveira Bueno (3) define verdade <>. Percebe-se uma ideia de correlação entre a coisa e a representação, ou verdade, que se faz dela. Por outro lado, é o contrário de falsidade, algo que não tenha correspondência entre o proposto e o que é.
Outra face é a que a filosofia, segundo Nicola Abbagnano (4), define como verdade sendo esta a validade ou eficácia dos processos de conhecimento. O mesmo autor ainda faz distinção entre tipos de verdade, segundo o qual significaria correspondência; revelação; conformidade; coerência e utilidade. O que não destoa do entendimento da Língua Culta, totalmente, mas aprofunda a ideia da correspondência. E deixa claro, a cada avanço que será dado aqui, que é um resultado do processo de conhecimento, mesmo jurídico.
Por seu turno, Diocleciano Torrieri Guimarães (5) fala de <>, dentro da percepção jurídica.
Feitas essas breves ilações, tratar-se-á agora dos conceitos de verdade mais pertinentes à seara jurídica.

1.1   Verdade Material

Desde que se entenda ser a verdade o resultado de processo cognitivo, onde enunciados são apresentados, revelados e provados, tem-se a verdade material como aquela que corresponda o mais fielmente aos fatos acontecidos. Gascón (6) a define como verdade objetiva e que busca descrever o mundo real, Hélio Tornaghi (7) de verdade verdadeira e Pellegrini (8) verdade real.
Exige do juiz um apuro maior na investigação dos fatos, devendo haver uma correspondência maior com a realidade perscrutada. Sendo o resultado desejado pelo processo criminal, onde os bens (por ex.: vida, patrimônio e imagem) e direitos (ex.: liberdade), sempre em colisão, carecem de um compromisso maior por parte do que julga.

1.2   Verdade Formal ou Processual

A verdade formal ou processual é a que se apresenta como resultado esperado diretamente pela norma jurídica. Esta prescreve o que deve ser demonstrado para que se chegue àquela. Como ensina Gascón (9) seria um reflexo da verdade.
Neste caso, o examinador está amarrado pelo procedimento previamente estabelecido, não possuindo margens para deslocamento. Busca-se estabelecer o melhor enunciado ou enunciados, dentre os apresentados pelos litigantes. Dentro desse entendimento o juiz está limitado ao processo, pela própria natureza do objeto em litígio. É mais presente, pois, no processo civil.
É o inverso no que acontece quando se pretende uma verdade real ou material. Enquanto aqui o investigador, embora dentro de uma liberdade facultada pela norma jurídica, utiliza de todos os meios para se chegar o mais próximo possível da realidade dos fatos acontecidos, indo além até das provas prescritas, na busca da verdade processual, o julgador se atém ao que foi apresentado pelas partes.
Referência:
(3)  BUENO, S – Minidicionário da Língua Portuguesa (2001) p. 793
(4)  ABBAGNANO, N – Dicionário de Filosofia (1998) p. 994
(5)  GUIMARÃES, D.T – Dicionário Técnico Jurídico (2005) p. 547
(6)  ABELLÁN, M. G – Los Hechos en El Derecho ( 2010) p. 40
(7)  TORNAGUI, H – Curso de Processo Penal V.1 (1989) p.294
(8)  GRINOVER, A.P – Teoria Geral do Processo (1998) p. 45
(9)  ABELLÁN, M. G – Los Hechos en El Derecho ( 2010) p. 40

2.    Conceito de Justiça


Justiça é algo inerente à própria condição de ser humano. É uma noção do que é certo. Para o desenvolvimento deste trabalho é assaz importante delinear alguns significados deste verbete.
Bueno (10) em seu léxico, define justiça como <>. Esta noção, embora incompleta para o propósito deste trabalho, carrega a ideia clássica da distribuição equitativa de direitos. Os homens sendo iguais têm direitos paritários e devem poder protegê-los da cobiça do outro.
Já Abbagnano (11), aprofundando o tema no contexto filosófico, citando Grócio, apresenta duas noções de justiça. Uma perfeita, onde, dentro do que ensinava Aristóteles, seria dar a cada um o que é seu, e outra imperfeita, caso em que seria dado direito a alguém que não poderia pretender querer.
Configura-se assim uma dificuldade em ter a justiça como um fundamento de validade de uma retórica jurídica onde se proponha alcançar a verdade ou até mesmo a paz social, como muitos estudiosos da teoria do processo costumam conceber como finalidade primordial do processo.
Mas nunca se impediu que teóricos desde tempos remotos usassem o conceito como uma bandeira para conceber um direito mais voltado para o homem. É neste diapasão que se teoriza sobre Justiça Social que nada mais é que um conjunto de valores e princípios que tendem a trabalhar para construir uma sociedade solidária. Platão, apud Abbagnano (12), definia justiça como um instrumento para alcançar um fim comum.
Por fim, o mesmo autor (13) mais detidamente na definição de justiça acentua que esta seria em um primeiro plano, subordinação do comportamento do homem a uma norma e num outro, a eficiência da própria norma. Esta é justa na medida em que é eficaz. Seja no primeiro caso, seja no segundo, percebe-se uma noção de justiça agregada ao próprio direito, cabendo a este formular comportamentos e estabelecer parâmetros para seu alcance.

Referência:
(10)               BUENO, S. – MDLP p. 457
(11)               ABBAGNANO, N – DF p. 94
(12)               ABBAGNANO, N. – DF p. 594
(13)               ABBAGNANO, N. – DF p. 594


3.    Verdade e Justiça na Metodologia do Direito


Verdade e justiça, dois conceitos, dois fundamentos diversos, objetos distintos e almejados pelo Direito. A Metodologia do Direito se ocupa de ambas, assim que se entende serem necessárias, ou não, para uma linha de argumentação que se faça eficaz para convencer uma plateia ou um juiz.
A construção de uma argumentação se faz no sentido de se chegar a um fim. Tópicos, enunciados, são eleitos para demonstrar uma realidade ou um conjunto de fatos que se permitam alcançar, provar uma ideia.
Tanto a verdade, quanto a justiça podem ser objeto ou fundamento de validade dessa argumentação. A linguagem a ser traçada com o fito de estabelecer uma ou outra é determinada segundo o que se quer ver demonstrado.
A metodologia a ser utilizada poderá variar de acordo com o que se pretende alcançar. A hermenêutica vem a ser instrumento dessa metodologia, possibilitando formas de interpretar que sejam mais condizentes com o fim perquirido.
Todavia, pelos conceitos que se explorou, a impossibilidade de se chegar a uma verdade e justiça puras é certo. Por outro lado, esses podem ser fins colimados pelo próprio Direito, dentro das limitações prescritas, segundo o senso da sociedade que cria o ordenamento prescritivo.
É dizer que, antes de tudo, são as crenças, preconceitos e entendimentos que recheiam o conteúdo de um ou de outro.
Desde já para uma argumentação que se propugne a demonstrar uma verdade ou estabelecer o que é justo, prescinde de uma fixação razoável de fatos que possam encontrar respaldo numa norma, pois as maiores dificuldades não provém da interpretação, mas da fixação dos fatos que se destinem a ser demonstrado à luz delas.
Desta feita, o trajeto que se segue até o alcance do descobrimento da verdade se perfaz dentro de um processo, cujas diretrizes são fixadas previamente, mas sem impossibilidade do investigador contestar os enunciados, como forma de dar-lhes sustentação.
Tanto em um, como em outro, há que ser traçada uma linguagem, fruto das experiências que entram no processo de argumentação. Deve ocorrer, assim, o estabelecimento da verdade e da justiça como afirmações de uma argumentação que segue necessariamente para sua fundamentação.
Toda ciência possui um método, um procedimento para testar suas teorias. Experimentar enunciados através de ritos e técnicas que lhe permita confirmar dados.
A ciência jurídica, cujo objeto é o próprio Direito também tem sua metodologia que se apresenta em cada época, não se podendo afirmar cabalmente que haja uma que seja atemporal, quer dizer, transcendente ao tempo.
Há uma identidade entre a metodologia e o próprio Direito. Contudo, não se pode entendê-la apenas num âmbito idealizado na lei. Ela se mostra na concretização da norma jurídica, através da aplicação desta no caso concreto. Havendo assim uma distinção entre a lei e seu espírito. O primeiro se perfaz dedutivamente, enquanto o segundo exige olhar indutivo.
A despeito das diversas teorias que servem para explicar a metodologia do Direito, não cabe neste trabalho as explicar. Antes, traçar-se-á certos aspectos que importam para o entendimento de sua natureza e pertinência com o assunto tratado em tela.
Um dos aspectos que tem relevância para a metodologia é a interpretação da norma. E ela só importa quando se confronta com a lei, sentido lato, e o caso concreto. Antes disso, a norma jurídica é um quadro em branco que espera ser pintado com as cores do pintor. Somente diante de um fato é que o ato de interpretar uma lei se torna algo realizável. A racionalidade da norma exige que o experimentador utilize o melhor método.
Os métodos de interpretar mais adotados pela doutrina que se debruça sob o assunto são: gramatical ou literal, histórica, sistemática, lógica, teleológica ou finalística, extensiva ou ampliativa, restritiva ou limitativa, autêntica e sociológica. A gramatical ou literal visa entender o sentido da norma dentro do conjunto de verbetes e conjugações com que se apresenta, extraindo-se sua inteligência do conjunto linguístico da lei. A histórica busca a intenção do legislador revelada através dos discursos, da apresentação do projeto de proposição da norma e do meio histórico em que ela foi criada. A sistemática concebe a norma como participante de um conjunto e aqui ela deve ser interpretada e nunca isoladamente. Lógica, quando se faz conexão entre diversos textos normativos distintos. Extensiva ou ampliativa, quando se dá um sentido mais amplo do que o que a literalidade da norma pronuncia. Restritiva ou limitativa, ocorrendo a restrição da inteligência das normas quanto a sua abrangência. Autêntica, quando feita pelo próprio legislador, caso dos textos expositivos do Código Penal e de Processo Civil Brasileiros. Por fim a sociológica, em que se estuda o contexto social em que a norma se insere.
Existem ainda os meios de integração da norma que são a analogia, a equidade e os princípios gerais de Direito. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, em seu art. 5º., ainda consagrou o princípio da função social. A analogia, como bem ensina Castanheira Neves (14), é a integração da norma por correlação entre duas normas que tratam de temas distintos, mas que podem se adequar ao mesmo caso concreto. Opera-se uma valoração por parte do intérprete do conteúdo das normas que mais se aproximem do caso concreto. A equidade é a supressão de imperfeições da lei ou torná-la mais coerente com a realidade. Os princípios gerais de direitos são os previstos expressamente pela lei, ou consagrados pela doutrina, ou ainda pela Constituição que servem para nortear todo o processo interpretativo. Castanheira (15) ainda qualifica os princípios como positivos, expressos na lei; transpositivos, reconhecidos pela lei, mas não necessariamente expresso nelas, e ainda os suprapositivos, que transcendem às normas. Princípio da função social, consagrado pelo ordenamento jurídico brasileiro, no dispositivo acima referido, segundo o qual na interpretação, deve o operador buscar o sentido que mais se adeque ao fim social a que se destina a norma.
Do expresso, revela-se que não existem métodos absolutos, um ou outro pode ser utilizado como instrumento para se atingir a verdade ou a justiça e algumas vezes, estes conceitos se revelam justamente nos métodos interpretativos.
O que mais sobreleva de tudo que se escreveu até aqui, é que a verdade e a justiça, estabelecidas, devem ser fundamentadas.
Definidos os critérios para se alcançar o objetivo que é estabelecer o que aconteceu e como o Direito deve responder aos contendores, deve ocorrer necessariamente a justificação fundamentada da resposta que é dada na sentença. Como bem ressalta Habermas apud Alexy (16), somente uma decisão consensual e bem fundamentada serve de critério de uma sentença que alcançou verdade. Ou ainda como ressalta Ricardo Andrade (17), discorrendo sobre a teoria de Perelman, a noção de verdade advém necessariamente de que as crenças devem ser justificadas, de forma que retórica precisa de algum procedimento racional que se mantenha sustentável. Quer dizer, ela é fruto, como ressalta esse autor, do processo argumentativo.
Referências:
(14)               NEVES, A.C – METODOLOGIA JURÍDICA (1993) p. 251-254
(15)               NEVES, A.C – MJ p. 155
(16)               ALEXY, R – Teoria da Argumentação Jurídica (2001) p. 101
(17)               ANDRADE, R – Verdade e retórica em Chaïm Perelman (2009) p. 43


4.    Princípio da livre convicção do juiz e valoração dos meios de prova


Consagrado na doutrina, ratificado pela legislação e pela jurisprudência, esse princípio é o norte do examinador no tocante a fixação dos enunciados que importam na busca da verdade e da justiça, bem como de seu compromisso com os meios de prova prescritos na lei, ou admitidos pelo Direito, desde que moralmente aceitos. O juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova. Tem livre escolha para valorar e aceitar as provas que possam lhe conferir a certeza necessária para julgar. Torna possível a busca da verdade mais propícia.
Embora circunspecto à prova dos autos, não fica adstrito a nenhum critério apriorístico para apurar a <>. O juiz, então, por esse mesmo princípio, está obrigado a perseguir aquela verdade. Ele procura colher prova de tudo quanto possa levá-lo a conhecer os fatos.
Todavia, tal princípio não está livre de críticas. Se por um lado, o mesmo confere ao julgador discricionariedade para se apreciar os enunciados dentro do contexto probatório, inclusive para determinar que provas servirão para esse desiderato, ou mesmo buscar as mais relevantes, mesmo fora do prévio estabelecimento técnico das mesmas, por outro, levando em consideração a necessária intrusão das crenças e preconceitos pessoais do examinador, o resultado não possui um alto grau de aceitabilidade. Essa valoração livre é difícil de controlar, consubstanciando em abertura para a arbitrariedade judicial, por ser uma valoração puramente discricional e sem vinculação à lei. Esta, nesse sentido, não fixa os critérios de valoração que devem ser usados. Deveria, então, haver correção da norma para que esta fixasse previamente os limites de discricionariedade.
Embora deva o juiz ser livre para valorar discricionariamente a prova, não pode prescindir de uma metodologia racional que possa fixar os fatos controversos a fim de racionalizar seu trabalho.
Assim é que Abellán (18) indica que a valoração da prova é atividade racional que consiste na eleição das hipóteses mais prováveis entre as diversas reconstruções possíveis dos fatos. Ainda como a mesma disserta existem diversos graus de hipóteses e cada um exige um tipo específico de prova que deve ser racionalmente utilizado pelo examinador. Esse sistema de graus seria o que mais se adéqua à estrutura de prova, seguindo o modelo de Bayes, segundo a mesma autora (19).
Deve-se estabelecer assim a base de provas, dentre as disponíveis e prescritas ou aceitas pelo Direito, que resultem no que for mais aceito para justificar as hipóteses. Uma vez fixadas as hipóteses, de acordo com o grau de probabilidade, e sendo confirmadas, deverão atingir um patamar que não poderão mais ser refutadas.
A probabilidade dependerá ainda do número de provas inferenciais que compõem a linha de confirmações. Quanto maior o número de provas, maior o grau de probabilidade da hipótese. A prova deveria ser útil à comprovação da hipótese, devendo serem excluídas aquelas que não sejam práticas para obtenção do resultado esperado. É passivo de crítica esse entendimento, vez que fixar o grau de probabilidade em razão da utilidade da prova, vai de encontro ao real fim do procedimento que é chegar ao mais próximo da verdade o que remete ao entendimento da estudiosa espanhola que ratifica a necessidade de antes se estabelecer bem os fatos que deverão ser provados e daqui, sim, antever a prova que será necessária para esse fim, como bem escreveu Abellán, conforme já citado.
Em contrapartida ao já exposto, o uso das provas sofre limitações formais que devem, ainda, que brevemente, serem expostas aqui.
Pode se dar quanto ao uso de determinadas provas e também pela proibição delas. Da primeira, se entende que a limitação contribui para averiguação da verdade, afastando-se o uso de provas de baixo valor de alcance gnosiológico. Exemplo é da limitação da utilização de prova testemunhal em certas matérias no processo civil. Como se verá adiante, no caso brasileiro, o legislador restringiu a prova testemunhal a fatos que não possam ser provados por documentos, ou quando estes, a fim de provar a intenção dos participantes, como nos contratos, precisem da ouvida de terceiros que tenham presenciado o negócio jurídico, ou conheçam a parte de modo que possam declarar seu ânimo. Do segundo, arrola-se como exemplo, a proibição do uso da tortura para obter confissões, considerada ilícito o resultado de tal procedimento. Essas regras, como define Gascón (20), visam a tutela de determinados valores extraprocessuais que são de interesse público ou social. Os direitos e garantias fundamentais proíbem as provas ilícitas de maneira geral, posto atacarem aqueles no seu conteúdo, mesmo que não viessem expressos na legislação processual. 
Outro viés da limitação é a proibição do segredo da apuração probatória, principalmente no que diz respeito ao acusado. Este deve poder conhecer do que o acusam e quais provas, ou meios, serão utilizados para provar fatos que possam restringir sua liberdade. Tal mecanismo é abolido na maioria das democracias, como corolário do respeito aos direitos do homem.
O sistema de presunções importa nesse instante, como meios de restrição de provas. As presunções podem ser legais e simples. Legais, são relativas, como aquelas em que se admite prova em contrário e aqui se está propiciando uma racional possibilidade do examinador, diante da contraposição de interesses, permitir que se conteste através de certas provas, a veracidade de um fato ou documento; e as absolutas que a lei não permite controvérsia. Havendo aqui um conteúdo de interesse público evidenciado. Pode ser relativizado na medida em que se demonstre que há desvio do interesse público ou prejuízos a certos bens ou direitos de maior tutela por parte do Estado. As presunções simples encontram fundamento na experiência do homem médio. Mostram como certos fatos que se seguiram a outros.  É o caso dos fatos notórios, em que as provas são desnecessárias, quando são tão evidentes que não tem como o julgador não saber, ou são assentes pelo costume.
De todo modo, a decisão do julgador em acolher, ou não, um tipo de prova, fixando um ou alguns enunciados que contenham maior grau de probabilidade, deve ser motivado. Não se admite, num Estado de Direito, que qualquer decisão seja lançada no ordenamento jurídico, sem que o magistrado exare os motivos que o levaram a escolher um critério, até mesmo aceitar uma hipótese como verdade.
Referências:
(18)               ABELLÁN, MG – LHD p. 144
(19)               ABELLÁN, MG – LHD p. 148
(20)               ABELLÁN, MG – LHD p. 118


5.    A Verdade e a Justiça na Prática Judiciária.


Após o tracejar das definições anteriormente tomadas, como necessárias, passa-se a analisar como se dá a busca daquelas na prática judiciária. Viu-se que, embora não se possa buscar uma verdade ou justiça absolutas, são elas ora fins, ora fundamentos de validade de decisões que, segundo a teoria do processo, auxiliam na consecução da paz social. O exercício dessa busca é verificado no transcorrer da vida dos indivíduos, embalado pela bandeira da defesa de seu direito, ou tão somente para fazer certa a existência de um fato. Se o objetivo do processo é restabelecer a paz, como sua finalidade precípua, pontual é dizer que não se chega aquele resultado sem antes principiar-se pela valoração de um acontecido ou da propagação de uma certeza anunciada pelo Direito. Mas no caso desse estudo, deve-se ter em mente que as dúvidas e certezas, partem do próprio Direito e este dá os mecanismos para se confirmar enunciados e estabelecer o justo. As decisões judiciais são a síntese histórica dessa busca e a conclusão dela, sendo a apresentação de como se dá na prática a pesquisa e a resolutividade dos embates retóricos.
O art. 5º da Constituição Brasileira, em seu inciso LV prevê que aos litigantes, seja em processo judicial, seja em administrativo, bem para os acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O referido artigo encontra-se insculpido no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais. O dispositivo constitucional assevera em seu conteúdo a necessidade de se garantir às partes de um processo todos os meios necessários à prova de suas razões. A inobservância do princípio acarreta até a nulidade do procedimento. Percebe-se ainda, uma garantia de busca da verdade e da justiça, posto não se admitir a condenação ou imputação de perda pecuniária a qualquer um que não possa sustentar sua argumentação com as provas necessárias a esse desiderato.
Na continuação desse mesmo princípio outro se alinha para garantir que somente o que for permitido por lei é que será usado como prova. Dessa forma o inciso LVI do mesmo artigo da Constituição prevê a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos. Sendo uma limitação alçada ao posto de garantia constitucional.
Da mesma forma proíbe o sigilo da instrução, em seu inciso LX, excetuando, apenas quando se tratar de defesa da intimidade ou quando o interesse social o exigir.
O Código de Processo Civil Brasileiro em seu art. 332 dispõe que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados nele, são aceitos para provar a verdade dos fatos. Ressalva-se, a despeito do que se comentou sobre a verdade formal ou processual que quando se trata de direitos disponíveis, haverá a limitação das provas, principalmente no que estiver contido nos autos.
Por seu turno, em consonância com a noção de presunção simples já explicada, o art. 334 do mesmo diploma processual textualiza que não dependem de prova os fatos: notórios, afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária, admitidos, no processo, como incontroversos e em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. Quer dizer que quando a lei pressupõe que um fato exista, ou seja, verdadeiro, não haverá necessidade de dilação probatória. Coaduna, pois, com o seguinte dispositivo, o art. 335 permite ao julgador que, em falta de normas jurídicas particulares, poderá aquele aplicar as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial. Neste último caso, quando houver necessidade de perícia técnica, não poderá o examinador apor sua decisão, sem que sejam ouvidos os peritos do assunto.
Já o Código de Processo Penal Brasileiro consagrou em seu art. 155, o princípio da <>, quando diz que o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação. Aqui, ao contrário do processo civil, poderá o julgador se afastar do que foi levado aos autos e perquirir através dos meios que entender relevantes, os enunciados que poderão ser justificados para comprovação da verdade real.
A Constituição da República Portuguesa em seu artigo 32.º, que trata das Garantias de processo criminal considera nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. É a consagração da limitação a certos meios de prova que ofendam a dignidade da pessoa humana e afetem as garantias do Estado de Direito, principalmente quando aquele tutela direitos como a liberdade e a intimidade da vida privada.
O Código de Processo Civil de Portugal por seu turno em seu art. 514.º assevera que não carecem de prova, nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral. A exemplo da legislação brasileira, observa-se a presunção simples que também dispõe que não carecem de alegação os fatos de que o juiz ou tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Já o Código de Processo Penal em seu art. 125 dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas em lei, permitindo ao julgador, na busca da melhor verdade usar dos meios probatórios a seu alcance, mesmo que não disposto expressamente no código. Em seu art. 126, trata das limitações ao uso de provas, obtidas por meios ilícitos, em afronta a Constituição como se disse acima, bem como no uso de meios como a tortura ou fraudulentos. Ou ainda quando sejam oferecidas vantagens não permitidas em lei.
A jurisprudência dos dois países estabelece a <> como fim do processo criminal, enquanto no processo civil é visível a preferência pela verdade formal. A livre apreciação da prova, embora seja uma discricionariedade do julgador, está limitada pela lei, como se viu acima, devendo se ressaltar que no que trata na questão criminal e nos processos que envolvam direitos indisponíveis, o juiz tem livre apreciação de provas e os meios para alcançá-los.
No caso da jurisprudência brasileira temos como exemplo o julgamento do AgRg no Ag 1.203.775-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/8/2011 do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, onde em apreciação de embargos de declaração entendeu que se busca a maior aproximação possível com a verdade dos fatos (verdade real) e o máximo de efetivação da Justiça social.
Em outro julgado, em julgamento de recurso especial, REsp 818.978-ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 9/8/2011,  onde naquele recurso se impugnava decisão sobre impugnação de sentença homologatória de acordo firmado entre litigantes, a mesma Corte, salientou a necessária e efetiva demonstração de prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica, segundo o princípio pas de nullités sans grief.
A jurisprudência portuguesa apresenta julgados, praticamente, na mesma linha. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 73/04.7IDPRT.P1 de relatoria do Juiz  MELO LIMA, num caso que envolvia proibição de valoração de provas, em 30/03/2011 asseverou que não constitui valoração proibida de prova a formação da convicção com documentos juntos aos autos mas que não foram lidos nem explicados em audiência.
Outro Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Processo: 3652/08.0TAVNG.P1, de relato da Juíza MARIA MARGARIDA ALMEIDA, onde se tratava de anulação de decisão, naquele acórdão, asseverou-se que o que a lei exige é que, através da sua leitura, seja perceptível a qualquer cidadão (designadamente a quem não tenha assistido à audiência de julgamento e desconheça os autos) o processo de formação de convicção do tribunal no que concerne à matéria factual que constitui o cerne da integração jurídica do ilícito. Fala, pois da clareza da motivação do julgador na apreciação da prova.




Conclusão


Após o estudo realizado, conclui-se que não existem conceitos absolutos de verdade e justiça. Porém, tanto são fundamentos de validade de uma retórica racional que se proponha a convencer uma plateia, como também são fins em si mesmo, ou seja, são objetivos a serem perseguidos no processo.
O Direito se ocupa em prever métodos que devem ser observados pelo julgador para se chegar àqueles objetos, mais como amparo de um mais imediato que é a paz social. Mas esta não existe sem que haja o convencimento de que se chegou a verdade ou se fez a justiça. A legislação brasileira e a portuguesa, quando da apreciação da prova e dos meios pertinentes a provar a argumentação dos litigantes, ainda que de forma implícita, consagram a busca da verdade e também da justiça, pois não se chega a esta sem se chegar à primeira. Principalmente, ressalte-se a impossibilidade de se alcançá-las em termos absolutos, senão, dentro do que dispõe a lei são encontradas de modo a satisfazer a sociedade. Os tribunais de ambos os países, nessas questões privilegiam a busca da <> e da justiça, dando importância ao princípio da livre apreciação das provas pelo juiz, por onde se possa possibilitar ao julgador ir além do que a lei diz para se chegar ao fim almejado, ou excluir a provas inúteis que não levem a nada. Epistemologicamente, esse preceito pode induzir à falhas, se não houver uma fixação adequada dos fatos a serem provados, faltando às legislações processuais, pelo menos às evidenciadas aqui, a falta de critérios claros da escolha pertinente dos enunciados e dos meios que se proponham a justificá-los.
A prática judiciária, pois, coloca em tela a dificuldade que se tem para se atracar aos fins mediatos de verdade e justiça, ante a ausência de dispositivos claros que permitam formulação de bases adequadas para formulação de argumentações naquele sentido.


Referências Bibliográficas:


ABELLÁN, Maria Gascón. Los Hechos en El Direcho. Bases Argumentales de La Prueba.  Tercera Edicion. Marcial Pons. Madri. 2010;
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, no Processo: 3652/08.0TAVNG.P1, de relato da Juíza MARIA MARGARIDA ALMEIDA. [Consult. 10 Out. 2011]. Disponível em WWW:http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/97a944803697612f8025783800404f4d?OpenDocument>
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo:         73/04.7IDPRT.P1 de relatoria do Juiz  MELO LIMA. [Consult. 10 Out. 2011]. Disponível em WWW:http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/d71591a2eef7591a80257876003bea9b?OpenDocument>
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