Introdução
Verdade
e Justiça são dois conceitos que estão no pensamento jurídico desde que se
propôs estudar a aplicação das normas reguladoras do comportamento social,
especialmente as jurídicas.
Da
mesma forma são usualmente utilizadas como fundamento de argumentação jurídica
para se chegar ao fim de uma discussão sobre uma determinada tese.
A
legislação processual como um todo prescreve métodos de busca de ambos os
conceitos, segundo a cultura e a época de cada país, vislumbrando direitos e
bens a serem tutelados, o que influencia distintamente a busca de cada um.
A
Metodologia do Direito se orienta no sentido de estabelecer um método que se
proponha alcançar ou até mesmo discutir se esses verbetes têm importância
crítica no desenvolvimento de uma argumentação jurídica, como fundamento de
validade ou objetivo daquela última.
Inexiste
razão, no entanto, para se explorar todas as vertentes de verdade e justiça
neste trabalho.
Um
único âmbito deve ser delimitado para o desenvolvimento deste estudo e é o
jurídico.
Releva
para tanto, verificar alguns significados de cada palavra e como se relacionam
dentro do estudo da Metodologia do Direito e na Teoria do Processo, elegendo
aqueles que mais interessam para um discurso diretamente relacionado com o tema
que se propõe aqui.
Aludir,
ainda que brevemente ao princípio da livre convicção do juiz e aos meios de
prova, importa na medida em que ambos dão a perspectiva de como verdade e justiça
são tratados pelo intérprete da lei, o juiz, e que meios dispõe este para
exarar sua decisão, observando aqueles elementos.
De
mesmo valor, trazer à lume exemplos da legislação brasileira e portuguesa,
auxiliam no entendimento de como se dá na prática a busca da realização, se é
que assim se pode dizer, dos conceitos ora asseverados, culminando com a
análise de exemplos de jurisprudências oriundos dos dois países, ambos ricos em
decisões sobre o tema.
Todavia,
cabe a advertência de Marina Gascón Abellán (1) que jamais se chega a uma
verdade absoluta, ou como acentua por outro lado Ada Pellegrini Grinover (2) justiça
é dar a cada um o que é seu, de modo que esse último também não possui um
conceito absoluto, já que não há justiça absoluta, quando a mesma pende para um
lado.
Referência:
(1) ABELLÁN, M. G – Los Hechos en El
Derecho. (2010) p. 25
(2) GRINOVER, A.P. – Teoria Geral do
Processo (1998) p. 36
1.
Conceitos de Verdade
Conceituar
verdade é necessário, ainda que de forma não definitiva, posto não ser esse o
objetivo aqui, mas que traz elementos para a compreensão deste discurso.
Inicialmente, visitando o léxico, ou seja, a definição da Língua Culta, para em
seguida se deter nas mais voltadas para o âmbito de investigação a que se
propõe.
Silveira
Bueno (3) define verdade <>.
Percebe-se uma ideia de correlação entre a coisa e a representação, ou verdade,
que se faz dela. Por outro lado, é o contrário de falsidade, algo que não tenha
correspondência entre o proposto e o que é.
Outra
face é a que a filosofia, segundo Nicola Abbagnano (4), define como verdade
sendo esta a validade ou eficácia dos processos de conhecimento. O mesmo autor
ainda faz distinção entre tipos de verdade, segundo o qual significaria
correspondência; revelação; conformidade; coerência e utilidade. O que não
destoa do entendimento da Língua Culta, totalmente, mas aprofunda a ideia da
correspondência. E deixa claro, a cada avanço que será dado aqui, que é um
resultado do processo de conhecimento, mesmo jurídico.
Por
seu turno, Diocleciano Torrieri Guimarães (5) fala de <>, dentro da percepção jurídica.
Feitas
essas breves ilações, tratar-se-á agora dos conceitos de verdade mais
pertinentes à seara jurídica.
1.1
Verdade Material
Desde
que se entenda ser a verdade o resultado de processo cognitivo, onde enunciados
são apresentados, revelados e provados, tem-se a verdade material como aquela
que corresponda o mais fielmente aos fatos acontecidos. Gascón (6) a define
como verdade objetiva e que busca descrever o mundo real, Hélio Tornaghi (7) de
verdade verdadeira e Pellegrini (8) verdade real.
Exige
do juiz um apuro maior na investigação dos fatos, devendo haver uma
correspondência maior com a realidade perscrutada. Sendo o resultado desejado
pelo processo criminal, onde os bens (por ex.: vida, patrimônio e imagem) e
direitos (ex.: liberdade), sempre em colisão, carecem de um compromisso maior
por parte do que julga.
1.2
Verdade Formal ou Processual
A
verdade formal ou processual é a que se apresenta como resultado esperado
diretamente pela norma jurídica. Esta prescreve o que deve ser demonstrado para
que se chegue àquela. Como ensina Gascón (9) seria um reflexo da verdade.
Neste
caso, o examinador está amarrado pelo procedimento previamente estabelecido,
não possuindo margens para deslocamento. Busca-se estabelecer o melhor
enunciado ou enunciados, dentre os apresentados pelos litigantes. Dentro desse
entendimento o juiz está limitado ao processo, pela própria natureza do objeto
em litígio. É mais presente, pois, no processo civil.
É
o inverso no que acontece quando se pretende uma verdade real ou material.
Enquanto aqui o investigador, embora dentro de uma liberdade facultada pela
norma jurídica, utiliza de todos os meios para se chegar o mais próximo
possível da realidade dos fatos acontecidos, indo além até das provas
prescritas, na busca da verdade processual, o julgador se atém ao que foi
apresentado pelas partes.
Referência:
(3) BUENO, S – Minidicionário da Língua
Portuguesa (2001) p. 793
(4) ABBAGNANO, N – Dicionário de Filosofia
(1998) p. 994
(5) GUIMARÃES, D.T – Dicionário Técnico
Jurídico (2005) p. 547
(6) ABELLÁN, M. G – Los Hechos en El
Derecho ( 2010) p. 40
(7) TORNAGUI, H – Curso de Processo Penal
V.1 (1989) p.294
(8) GRINOVER, A.P – Teoria Geral do
Processo (1998) p. 45
(9) ABELLÁN, M. G – Los Hechos en El
Derecho ( 2010) p. 40
2.
Conceito de Justiça
Justiça
é algo inerente à própria condição de ser humano. É uma noção do que é certo.
Para o desenvolvimento deste trabalho é assaz importante delinear alguns
significados deste verbete.
Bueno
(10) em seu léxico, define justiça como <>. Esta noção, embora incompleta para o propósito deste trabalho,
carrega a ideia clássica da distribuição equitativa de direitos. Os homens
sendo iguais têm direitos paritários e devem poder protegê-los da cobiça do
outro.
Já
Abbagnano (11), aprofundando o tema no contexto filosófico, citando Grócio,
apresenta duas noções de justiça. Uma perfeita, onde, dentro do que ensinava
Aristóteles, seria dar a cada um o que é seu, e outra imperfeita, caso em que
seria dado direito a alguém que não poderia pretender querer.
Configura-se
assim uma dificuldade em ter a justiça como um fundamento de validade de uma
retórica jurídica onde se proponha alcançar a verdade ou até mesmo a paz
social, como muitos estudiosos da teoria do processo costumam conceber como
finalidade primordial do processo.
Mas
nunca se impediu que teóricos desde tempos remotos usassem o conceito como uma
bandeira para conceber um direito mais voltado para o homem. É neste diapasão
que se teoriza sobre Justiça Social que nada mais é que um conjunto de valores
e princípios que tendem a trabalhar para construir uma sociedade solidária.
Platão, apud Abbagnano (12), definia justiça
como um instrumento para alcançar um fim comum.
Por
fim, o mesmo autor (13) mais detidamente na definição de justiça acentua que
esta seria em um primeiro plano, subordinação do comportamento do homem a uma
norma e num outro, a eficiência da própria norma. Esta é justa na medida em que
é eficaz. Seja no primeiro caso, seja no segundo, percebe-se uma noção de justiça
agregada ao próprio direito, cabendo a este formular comportamentos e
estabelecer parâmetros para seu alcance.
Referência:
(10)
BUENO,
S. – MDLP p. 457
(11)
ABBAGNANO,
N – DF p. 94
(12)
ABBAGNANO,
N. – DF p. 594
(13)
ABBAGNANO,
N. – DF p. 594
3.
Verdade e Justiça na
Metodologia do Direito
Verdade e justiça,
dois conceitos, dois fundamentos diversos, objetos distintos e almejados pelo
Direito. A Metodologia do Direito se ocupa de ambas, assim que se entende serem
necessárias, ou não, para uma linha de argumentação que se faça eficaz para
convencer uma plateia ou um juiz.
A construção de
uma argumentação se faz no sentido de se chegar a um fim. Tópicos, enunciados,
são eleitos para demonstrar uma realidade ou um conjunto de fatos que se
permitam alcançar, provar uma ideia.
Tanto a verdade,
quanto a justiça podem ser objeto ou fundamento de validade dessa argumentação.
A linguagem a ser traçada com o fito de estabelecer uma ou outra é determinada
segundo o que se quer ver demonstrado.
A metodologia a
ser utilizada poderá variar de acordo com o que se pretende alcançar. A
hermenêutica vem a ser instrumento dessa metodologia, possibilitando formas de
interpretar que sejam mais condizentes com o fim perquirido.
Todavia, pelos
conceitos que se explorou, a impossibilidade de se chegar a uma verdade e justiça
puras é certo. Por outro lado, esses podem ser fins colimados pelo próprio Direito,
dentro das limitações prescritas, segundo o senso da sociedade que cria o
ordenamento prescritivo.
É dizer que,
antes de tudo, são as crenças, preconceitos e entendimentos que recheiam o
conteúdo de um ou de outro.
Desde já para
uma argumentação que se propugne a demonstrar uma verdade ou estabelecer o que
é justo, prescinde de uma fixação razoável de fatos que possam encontrar
respaldo numa norma, pois as maiores dificuldades não provém da interpretação,
mas da fixação dos fatos que se destinem a ser demonstrado à luz delas.
Desta feita, o
trajeto que se segue até o alcance do descobrimento da verdade se perfaz dentro
de um processo, cujas diretrizes são fixadas previamente, mas sem
impossibilidade do investigador contestar os enunciados, como forma de dar-lhes
sustentação.
Tanto em um,
como em outro, há que ser traçada uma linguagem, fruto das experiências que
entram no processo de argumentação. Deve ocorrer, assim, o estabelecimento da verdade
e da justiça como afirmações de uma argumentação que segue necessariamente para
sua fundamentação.
Toda ciência
possui um método, um procedimento para testar suas teorias. Experimentar
enunciados através de ritos e técnicas que lhe permita confirmar dados.
A ciência
jurídica, cujo objeto é o próprio Direito também tem sua metodologia que se
apresenta em cada época, não se podendo afirmar cabalmente que haja uma que
seja atemporal, quer dizer, transcendente ao tempo.
Há uma
identidade entre a metodologia e o próprio Direito. Contudo, não se pode
entendê-la apenas num âmbito idealizado na lei. Ela se mostra na concretização
da norma jurídica, através da aplicação desta no caso concreto. Havendo assim
uma distinção entre a lei e seu espírito. O primeiro se perfaz dedutivamente,
enquanto o segundo exige olhar indutivo.
A despeito das
diversas teorias que servem para explicar a metodologia do Direito, não cabe
neste trabalho as explicar. Antes, traçar-se-á certos aspectos que importam
para o entendimento de sua natureza e pertinência com o assunto tratado em
tela.
Um dos aspectos
que tem relevância para a metodologia é a interpretação da norma. E ela só
importa quando se confronta com a lei, sentido lato, e o caso concreto. Antes disso, a norma jurídica é um quadro
em branco que espera ser pintado com as cores do pintor. Somente diante de um
fato é que o ato de interpretar uma lei se torna algo realizável. A
racionalidade da norma exige que o experimentador utilize o melhor método.
Os métodos de
interpretar mais adotados pela doutrina que se debruça sob o assunto são:
gramatical ou literal, histórica, sistemática, lógica, teleológica ou
finalística, extensiva ou ampliativa, restritiva ou limitativa, autêntica e
sociológica. A gramatical ou literal visa entender o sentido da norma dentro do
conjunto de verbetes e conjugações com que se apresenta, extraindo-se sua
inteligência do conjunto linguístico da lei. A histórica busca a intenção do
legislador revelada através dos discursos, da apresentação do projeto de
proposição da norma e do meio histórico em que ela foi criada. A sistemática
concebe a norma como participante de um conjunto e aqui ela deve ser
interpretada e nunca isoladamente. Lógica, quando se faz conexão entre diversos
textos normativos distintos. Extensiva ou ampliativa, quando se dá um sentido
mais amplo do que o que a literalidade da norma pronuncia. Restritiva ou
limitativa, ocorrendo a restrição da inteligência das normas quanto a sua
abrangência. Autêntica, quando feita pelo próprio legislador, caso dos textos
expositivos do Código Penal e de Processo Civil Brasileiros. Por fim a
sociológica, em que se estuda o contexto social em que a norma se insere.
Existem ainda os
meios de integração da norma que são a analogia, a equidade e os princípios
gerais de Direito. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, em seu art. 5º.,
ainda consagrou o princípio da função social. A analogia, como bem ensina
Castanheira Neves (14), é a integração da norma por correlação entre duas
normas que tratam de temas distintos, mas que podem se adequar ao mesmo caso
concreto. Opera-se uma valoração por parte do intérprete do conteúdo das normas
que mais se aproximem do caso concreto. A equidade é a supressão de
imperfeições da lei ou torná-la mais coerente com a realidade. Os princípios
gerais de direitos são os previstos expressamente pela lei, ou consagrados pela
doutrina, ou ainda pela Constituição que servem para nortear todo o processo
interpretativo. Castanheira (15) ainda qualifica os princípios como positivos,
expressos na lei; transpositivos, reconhecidos pela lei, mas não
necessariamente expresso nelas, e ainda os suprapositivos, que transcendem às
normas. Princípio da função social, consagrado pelo ordenamento jurídico brasileiro,
no dispositivo acima referido, segundo o qual na interpretação, deve o operador
buscar o sentido que mais se adeque ao fim social a que se destina a norma.
Do expresso,
revela-se que não existem métodos absolutos, um ou outro pode ser utilizado como
instrumento para se atingir a verdade ou a justiça e algumas vezes, estes
conceitos se revelam justamente nos métodos interpretativos.
O que mais
sobreleva de tudo que se escreveu até aqui, é que a verdade e a justiça,
estabelecidas, devem ser fundamentadas.
Definidos os
critérios para se alcançar o objetivo que é estabelecer o que aconteceu e como
o Direito deve responder aos contendores, deve ocorrer necessariamente a
justificação fundamentada da resposta que é dada na sentença. Como bem ressalta
Habermas apud Alexy (16), somente uma
decisão consensual e bem fundamentada serve de critério de uma sentença que
alcançou verdade. Ou ainda como ressalta Ricardo Andrade (17), discorrendo
sobre a teoria de Perelman, a noção de verdade advém necessariamente de que as
crenças devem ser justificadas, de forma que retórica precisa de algum
procedimento racional que se mantenha sustentável. Quer dizer, ela é fruto,
como ressalta esse autor, do processo argumentativo.
Referências:
(14)
NEVES, A.C – METODOLOGIA JURÍDICA (1993)
p. 251-254
(15)
NEVES, A.C – MJ p. 155
(16)
ALEXY, R – Teoria da Argumentação
Jurídica (2001) p. 101
(17)
ANDRADE, R – Verdade e retórica em
Chaïm Perelman (2009) p. 43
4.
Princípio da livre convicção
do juiz e valoração dos meios de prova
Consagrado na doutrina, ratificado
pela legislação e pela jurisprudência, esse princípio é o norte do examinador
no tocante a fixação dos enunciados que importam na busca da verdade e da justiça,
bem como de seu compromisso com os meios de prova prescritos na lei, ou
admitidos pelo Direito, desde que moralmente aceitos. O juiz forma sua
convicção pela livre apreciação da prova. Tem livre escolha para valorar e
aceitar as provas que possam lhe conferir a certeza necessária para julgar.
Torna possível a busca da verdade mais propícia.
Embora circunspecto à prova dos
autos, não fica adstrito a nenhum critério apriorístico para apurar a
<>. O juiz, então, por esse mesmo princípio, está
obrigado a perseguir aquela verdade. Ele procura colher prova de tudo quanto
possa levá-lo a conhecer os fatos.
Todavia, tal princípio não está
livre de críticas. Se por um lado, o mesmo confere ao julgador
discricionariedade para se apreciar os enunciados dentro do contexto
probatório, inclusive para determinar que provas servirão para esse desiderato,
ou mesmo buscar as mais relevantes, mesmo fora do prévio estabelecimento
técnico das mesmas, por outro, levando em consideração a necessária intrusão
das crenças e preconceitos pessoais do examinador, o resultado não possui um
alto grau de aceitabilidade. Essa valoração livre é difícil de controlar,
consubstanciando em abertura para a arbitrariedade judicial, por ser uma
valoração puramente discricional e sem vinculação à lei. Esta, nesse sentido,
não fixa os critérios de valoração que devem ser usados. Deveria, então, haver
correção da norma para que esta fixasse previamente os limites de
discricionariedade.
Embora deva o juiz ser livre para
valorar discricionariamente a prova, não pode prescindir de uma metodologia
racional que possa fixar os fatos controversos a fim de racionalizar seu
trabalho.
Assim é que Abellán (18) indica que
a valoração da prova é atividade racional que consiste na eleição das hipóteses
mais prováveis entre as diversas reconstruções possíveis dos fatos. Ainda como
a mesma disserta existem diversos graus de hipóteses e cada um exige um tipo
específico de prova que deve ser racionalmente utilizado pelo examinador. Esse
sistema de graus seria o que mais se adéqua à estrutura de prova, seguindo o
modelo de Bayes, segundo a mesma autora (19).
Deve-se estabelecer assim a base de
provas, dentre as disponíveis e prescritas ou aceitas pelo Direito, que
resultem no que for mais aceito para justificar as hipóteses. Uma vez fixadas
as hipóteses, de acordo com o grau de probabilidade, e sendo confirmadas,
deverão atingir um patamar que não poderão mais ser refutadas.
A probabilidade dependerá ainda do
número de provas inferenciais que compõem a linha de confirmações. Quanto maior
o número de provas, maior o grau de probabilidade da hipótese. A prova deveria
ser útil à comprovação da hipótese, devendo serem excluídas aquelas que não
sejam práticas para obtenção do resultado esperado. É passivo de crítica esse
entendimento, vez que fixar o grau de probabilidade em razão da utilidade da prova,
vai de encontro ao real fim do procedimento que é chegar ao mais próximo da
verdade o que remete ao entendimento da estudiosa espanhola que ratifica a
necessidade de antes se estabelecer bem os fatos que deverão ser provados e
daqui, sim, antever a prova que será necessária para esse fim, como bem
escreveu Abellán, conforme já citado.
Em contrapartida ao já exposto, o
uso das provas sofre limitações formais que devem, ainda, que brevemente, serem
expostas aqui.
Pode se dar quanto ao uso de
determinadas provas e também pela proibição delas. Da primeira, se entende que
a limitação contribui para averiguação da verdade, afastando-se o uso de provas
de baixo valor de alcance gnosiológico. Exemplo é da limitação da utilização de
prova testemunhal em certas matérias no processo civil. Como se verá adiante,
no caso brasileiro, o legislador restringiu a prova testemunhal a fatos que não
possam ser provados por documentos, ou quando estes, a fim de provar a intenção
dos participantes, como nos contratos, precisem da ouvida de terceiros que
tenham presenciado o negócio jurídico, ou conheçam a parte de modo que possam
declarar seu ânimo. Do segundo, arrola-se como exemplo, a proibição do uso da
tortura para obter confissões, considerada ilícito o resultado de tal procedimento.
Essas regras, como define Gascón (20), visam a tutela de determinados valores
extraprocessuais que são de interesse público ou social. Os direitos e
garantias fundamentais proíbem as provas ilícitas de maneira geral, posto
atacarem aqueles no seu conteúdo, mesmo que não viessem expressos na legislação
processual.
Outro viés da limitação é a
proibição do segredo da apuração probatória, principalmente no que diz respeito
ao acusado. Este deve poder conhecer do que o acusam e quais provas, ou meios,
serão utilizados para provar fatos que possam restringir sua liberdade. Tal
mecanismo é abolido na maioria das democracias, como corolário do respeito aos
direitos do homem.
O sistema de presunções importa
nesse instante, como meios de restrição de provas. As presunções podem ser
legais e simples. Legais, são relativas, como aquelas em que se admite prova em
contrário e aqui se está propiciando uma racional possibilidade do examinador,
diante da contraposição de interesses, permitir que se conteste através de
certas provas, a veracidade de um fato ou documento; e as absolutas que a lei
não permite controvérsia. Havendo aqui um conteúdo de interesse público
evidenciado. Pode ser relativizado na medida em que se demonstre que há desvio
do interesse público ou prejuízos a certos bens ou direitos de maior tutela por
parte do Estado. As presunções simples encontram fundamento na experiência do
homem médio. Mostram como certos fatos que se seguiram a outros. É o caso dos fatos notórios, em que as provas
são desnecessárias, quando são tão evidentes que não tem como o julgador não
saber, ou são assentes pelo costume.
De todo modo, a decisão do julgador
em acolher, ou não, um tipo de prova, fixando um ou alguns enunciados que
contenham maior grau de probabilidade, deve ser motivado. Não se admite, num
Estado de Direito, que qualquer decisão seja lançada no ordenamento jurídico,
sem que o magistrado exare os motivos que o levaram a escolher um critério, até
mesmo aceitar uma hipótese como verdade.
Referências:
(18)
ABELLÁN, MG – LHD p. 144
(19)
ABELLÁN, MG – LHD p. 148
(20)
ABELLÁN, MG – LHD p. 118
5.
A Verdade e a Justiça na
Prática Judiciária.
Após o tracejar das definições
anteriormente tomadas, como necessárias, passa-se a analisar como se dá a busca
daquelas na prática judiciária. Viu-se que, embora não se possa buscar uma verdade
ou justiça absolutas, são elas ora fins, ora fundamentos de validade de
decisões que, segundo a teoria do processo, auxiliam na consecução da paz
social. O exercício dessa busca é verificado no transcorrer da vida dos
indivíduos, embalado pela bandeira da defesa de seu direito, ou tão somente
para fazer certa a existência de um fato. Se o objetivo do processo é
restabelecer a paz, como sua finalidade precípua, pontual é dizer que não se
chega aquele resultado sem antes principiar-se pela valoração de um acontecido
ou da propagação de uma certeza anunciada pelo Direito. Mas no caso desse
estudo, deve-se ter em mente que as dúvidas e certezas, partem do próprio Direito
e este dá os mecanismos para se confirmar enunciados e estabelecer o justo. As
decisões judiciais são a síntese histórica dessa busca e a conclusão dela,
sendo a apresentação de como se dá na prática a pesquisa e a resolutividade dos
embates retóricos.
O art. 5º da Constituição
Brasileira, em seu inciso LV prevê que aos litigantes, seja em processo
judicial, seja em administrativo, bem para os acusados em geral, são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes. O referido artigo encontra-se insculpido no Capítulo dos Direitos e
Garantias Fundamentais. O dispositivo constitucional assevera em seu conteúdo a
necessidade de se garantir às partes de um processo todos os meios necessários
à prova de suas razões. A inobservância do princípio acarreta até a nulidade do
procedimento. Percebe-se ainda, uma garantia de busca da verdade e da justiça,
posto não se admitir a condenação ou imputação de perda pecuniária a qualquer
um que não possa sustentar sua argumentação com as provas necessárias a esse
desiderato.
Na continuação desse mesmo
princípio outro se alinha para garantir que somente o que for permitido por lei
é que será usado como prova. Dessa forma o inciso LVI do mesmo artigo da
Constituição prevê a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios
ilícitos. Sendo uma limitação alçada ao posto de garantia constitucional.
Da mesma forma proíbe o sigilo da
instrução, em seu inciso LX, excetuando, apenas quando se tratar de defesa da
intimidade ou quando o interesse social o exigir.
O Código de Processo Civil
Brasileiro em seu art. 332 dispõe que todos os meios legais, bem como os
moralmente legítimos, ainda que não especificados nele, são aceitos para provar
a verdade dos fatos. Ressalva-se, a despeito do que se comentou sobre a verdade
formal ou processual que quando se trata de direitos disponíveis, haverá a
limitação das provas, principalmente no que estiver contido nos autos.
Por seu turno, em consonância com a
noção de presunção simples já explicada, o art. 334 do mesmo diploma processual
textualiza que não dependem de prova os fatos: notórios, afirmados por uma
parte e confessados pela parte contrária, admitidos, no processo, como
incontroversos e em cujo favor milita presunção legal de existência ou de
veracidade. Quer dizer que quando a lei pressupõe que um fato exista, ou seja,
verdadeiro, não haverá necessidade de dilação probatória. Coaduna, pois, com o
seguinte dispositivo, o art. 335 permite ao julgador que, em falta de normas
jurídicas particulares, poderá aquele aplicar as regras de experiência comum
subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras
da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial. Neste
último caso, quando houver necessidade de perícia técnica, não poderá o
examinador apor sua decisão, sem que sejam ouvidos os peritos do assunto.
Já o Código de Processo Penal
Brasileiro consagrou em seu art. 155, o princípio da <>, quando diz que o juiz formará sua convicção pela livre
apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação. Aqui, ao contrário do processo civil, poderá o julgador se
afastar do que foi levado aos autos e perquirir através dos meios que entender
relevantes, os enunciados que poderão ser justificados para comprovação da
verdade real.
A Constituição da República Portuguesa em seu artigo 32.º,
que trata das Garantias de processo criminal considera nulas todas as provas obtidas mediante
tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva
intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações. É a consagração da limitação a certos meios de prova que
ofendam a dignidade da pessoa humana e afetem as garantias do Estado de
Direito, principalmente quando aquele tutela direitos como a liberdade e a
intimidade da vida privada.
O Código de Processo Civil de Portugal
por seu turno em seu art. 514.º assevera que não
carecem de prova, nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se
como tais os factos que são do conhecimento geral. A exemplo da legislação
brasileira, observa-se a presunção simples que também dispõe que não carecem de
alegação os fatos de que o juiz ou tribunal tem conhecimento por virtude do
exercício das suas funções.
Já o Código de Processo Penal em seu art.
125 dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas em lei,
permitindo ao julgador, na busca da melhor verdade usar dos meios probatórios a
seu alcance, mesmo que não disposto expressamente no código. Em seu art. 126,
trata das limitações ao uso de provas, obtidas por meios ilícitos, em afronta a
Constituição como se disse acima, bem como no uso de meios como a tortura ou
fraudulentos. Ou ainda quando sejam oferecidas vantagens não permitidas em lei.
A jurisprudência dos dois países
estabelece a <> como fim do processo criminal,
enquanto no processo civil é visível a preferência pela verdade formal. A livre
apreciação da prova, embora seja uma discricionariedade do julgador, está
limitada pela lei, como se viu acima, devendo se ressaltar que no que trata na
questão criminal e nos processos que envolvam direitos indisponíveis, o juiz
tem livre apreciação de provas e os meios para alcançá-los.
No caso da
jurisprudência brasileira temos como exemplo o julgamento do AgRg no Ag
1.203.775-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/8/2011 do
Superior Tribunal de Justiça brasileiro, onde em apreciação de embargos de
declaração entendeu que se
busca a maior aproximação possível com a verdade dos fatos (verdade real) e o
máximo de efetivação da Justiça social.
Em outro julgado, em
julgamento de recurso especial, REsp 818.978-ES, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 9/8/2011,
onde naquele recurso se impugnava decisão sobre impugnação de sentença
homologatória de acordo firmado entre litigantes, a mesma Corte, salientou a necessária e efetiva demonstração de prejuízo
para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia
jurídica, segundo o princípio pas de nullités sans grief.
A jurisprudência portuguesa
apresenta julgados, praticamente, na mesma linha. O Acórdão
do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 73/04.7IDPRT.P1 de relatoria do
Juiz MELO LIMA, num caso que envolvia
proibição de valoração de provas, em 30/03/2011 asseverou que não constitui
valoração proibida de prova a formação da convicção com documentos juntos aos
autos mas que não foram lidos nem explicados em audiência.
Outro Acórdão
do Tribunal da Relação do Porto, no Processo: 3652/08.0TAVNG.P1, de relato da
Juíza MARIA MARGARIDA ALMEIDA, onde se tratava de anulação de decisão,
naquele acórdão, asseverou-se que o que a lei exige é que, através da sua
leitura, seja perceptível a qualquer cidadão (designadamente a quem não tenha
assistido à audiência de julgamento e desconheça os autos) o processo de
formação de convicção do tribunal no que concerne à matéria factual que
constitui o cerne da integração jurídica do ilícito. Fala, pois da clareza da
motivação do julgador na apreciação da prova.
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Conclusão
Após o estudo realizado, conclui-se
que não existem conceitos absolutos de verdade e justiça. Porém, tanto são
fundamentos de validade de uma retórica racional que se proponha a convencer
uma plateia, como também são fins em si mesmo, ou seja, são objetivos a serem
perseguidos no processo.
O Direito se ocupa em prever métodos
que devem ser observados pelo julgador para se chegar àqueles objetos, mais
como amparo de um mais imediato que é a paz social. Mas esta não existe sem que
haja o convencimento de que se chegou a verdade ou se fez a justiça. A
legislação brasileira e a portuguesa, quando da apreciação da prova e dos meios
pertinentes a provar a argumentação dos litigantes, ainda que de forma
implícita, consagram a busca da verdade e também da justiça, pois não se chega
a esta sem se chegar à primeira. Principalmente, ressalte-se a impossibilidade
de se alcançá-las em termos absolutos, senão, dentro do que dispõe a lei são
encontradas de modo a satisfazer a sociedade. Os tribunais de ambos os países,
nessas questões privilegiam a busca da <> e da justiça,
dando importância ao princípio da livre apreciação das provas pelo juiz, por
onde se possa possibilitar ao julgador ir além do que a lei diz para se chegar
ao fim almejado, ou excluir a provas inúteis que não levem a nada.
Epistemologicamente, esse preceito pode induzir à falhas, se não houver uma
fixação adequada dos fatos a serem provados, faltando às legislações
processuais, pelo menos às evidenciadas aqui, a falta de critérios claros da
escolha pertinente dos enunciados e dos meios que se proponham a justificá-los.
A prática judiciária, pois, coloca em
tela a dificuldade que se tem para se atracar aos fins mediatos de verdade e justiça,
ante a ausência de dispositivos claros que permitam formulação de bases
adequadas para formulação de argumentações naquele sentido.
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