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quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA E O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

A OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA E O PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

Edil de Castro Cavalcante[1]

RESUMO

As obrigações acessórias só podem ser criadas por lei, em sentido estrito, na medida em que impõem obrigação de fazer e não fazer para o contribuinte, atribuindo, inclusive, penalidades pelo seu descumprimento. O conceito de obrigação acessória assume um sentido conotativo mais concreto e vem a regular a relação estatal em torno da arrecadação de tributos tão importante para a sociedade, visto que é dessa receita que se viabilizam as obras, os serviços e a própria manutenção da defesa do Estado como um todo. As obrigações acessórias são determinações de fazer e não fazer, diferentes das principais que, muitas vezes, constituem uma pecuniária ou entrega de coisa. E, por isso mesmo, por impor limites ou determinar ações por parte do particular, devem ter observância na lei. Não são meras liberalidades de condutas, uma vez que seu descumprimento acarreta aplicação de penalidades. Além disso, pode-se dizer que, num determinado momento, a obrigação acessória vem a ganhar status de obrigação principal quando há aplicação de multas, adquirindo, assim, um caráter híbrido, o que reforça a tese de que somente através de lei em sentido estrito pode haver o estabelecimento de tais obrigações. Demonstraremos isso por meio da leitura da Constituição Federal e na interpretação sistemática do ordenamento jurídico, incluindo-se, nesse ínterim, a análise dos princípios gerais de direito pertinentes e a da jurisprudência de nossos tribunais, pois existem opiniões doutrinárias divergentes e a jurisprudência não é uníssona, mas já se detecta a inclinação para inadmitir o tratamento de tais obrigações através de normas que não sejam leis em seu sentido literal e restrito. A legislação tributária para questões de imposição de normas de comportamento ao contribuinte deve ser entendida como a lei em sentido estrito, pois somente a lei pode dizer o que pode ou não o particular fazer. Isso é o princípio de Estado de Direito.

Palavras-Chave: Obrigação. Acessória. Princípio. Reserva. Legal.

INTRODUÇÃO

As obrigações acessórias são tão necessárias quanto as principais. Isso porque uma obrigação principal tem seu fato gerador próprio, mas que gera outras conseqüências no mundo jurídico e, portanto, deve ter seu regulamenta. Mas as acessórias não deixam de ser coadjuvantes da principal, sendo esta sua razão de ser.

O conceito de obrigação acessória assume um sentido conotativo mais concreto e vem a regular a relação estatal em torno da arrecadação de tributos tão importante para a sociedade, vez que é dessa receita que se viabilizam as obras, os serviços e a própria manutenção da defesa do Estado como um todo.

As obrigações acessórias são determinações de fazer e não fazer, diferentes da obrigação principal que, muitas vezes, constituem uma obrigação pecuniária ou de entrega de coisa. E, por isso mesmo, por impor limites ou determinar ações por parte do particular, deve ter observância na lei.

O intuito de nosso artigo é mostrar que as obrigações acessórias por tratar de imposição de comportamento devem ser criadas por lei em sentido estrito, sendo inconcebível sua criação por meio de norma infralegal, estabelecendo-se, assim, o princípio da reserva legal sobre essa categoria de obrigação.

1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Lei é um comando geral e abstrato gerado num processo legislativo legítimo, inédito para o ordenamento jurídico, disciplinando as relações jurídicas entre particulares e a Administração Pública.

O conceito ganha importância em face de existir em nosso Sistema Jurídico o Princípio da Legalidade inteligível do Art. 5º, inciso II da Carta Magna. Este princípio informa que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa sem que a lei estabeleça, esse princípio, por sua vez, é visto em todos os ramos do direito, inclusive no Tributário e no Penal.

2 PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA RESERVA LEGAL

Devemos deixar claro, no entanto, que não se pode confundir princípio da reserva legal e da legalidade. O segundo é a submissão e observância à lei. O outro é assentamento de que determinadas matérias só podem ser reguladas por lei. Corolário disso é que o princípio da legalidade é mais abrangente que o da reserva como nos lembra Alexandre de Moraes (2004, p.67), “se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao princípio da legalidade, somente alguns estão submetidos ao da reserva da lei”.

Nossa Lei Maior prescreve duas espécies de reserva legal: absoluta e relativa. A primeira ocorre quando a Constituição ordena que sua regulamentação se faça através de lei, enquanto a segunda decorre de permissibilidade dada ao Poder Público regular determinadas situações por meio de ato infralegal.

3 NATUREZA JURÍDICA DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA

O CTN prescreve em seu Art. 113 o seguinte:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

[...];

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos;

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

As obrigações acessórias são obrigações de fazer e não fazer. Portanto, são imposições de comportamento comissivo ou omissivo para o particular, restringindo sua liberdade.

Não são meras liberalidades de condutas, uma vez que seu descumprimento acarreta aplicação de penalidades. Além disso, pode-se dizer que, num determinado momento, a obrigação acessória vem a ganhar status de obrigação principal quando há aplicação de multas, adquirindo, desta feita, um caráter híbrido, o que reforça a tese de que somente por meio de lei, em sentido estrito, pode haver o estabelecimento de tais obrigações.

4 PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL E AS OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS.

Desenvolveremos nosso estudo a partir da legislação pertinente, por compreendermos ser de mais acessível didática e por melhor demonstrar nosso entendimento.

O Código Tributário Nacional, publicado em 1966, já naquela época contrariava a Constituição vigente, a de 1946, que dispunha o mesmo que as posteriores viriam a prescrever: a disposição de que qualquer cidadão só estaria obrigado a fazer, ou deixar de fazer, somente aquilo que a lei prescrevesse. Vejamos o dispositivo:

Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

[...];

§ 2º Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

A Constituição Federal de 1969, a Emenda Constitucional Nº. 01 de 17 de outubro de 1969 trazia disposto em seu Art. 153, §2º, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 2º Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

A Carta Magna de 1988 repetiu a fórmula em seu Art. 5º, inciso II, consolidando, destarte o Princípio da Legalidade. Entre os particulares, vigora a obrigação contratual. Trazemos, assim, a leitura o dispositivo constitucional:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Só assumo com outrem aquilo que eu acordar, senão nada me obriga, a não ser a lei. Sobre o assunto ensina com maestria José Afonso da Silva (1997, p.229):

Se considerar lei qualquer norma elaborada pelo Poder Público, independentemente da origem desse poder, então o princípio constitucional vale bem pouco. Não é esse, porém, o sentido da palavra lei. Como vimos, a liberdade não é incompatível com um sistema coativo, e até que se pode acrescentar que ela pressupõe um sistema dessa ordem, traduzido no ordenamento jurídico.

E é assim porque somente a lei, discutida e aprovada por representantes do povo, pode ser aceita por este último. Ora, não há razão jurídica que sustente idéia inversa. Foi isso que levou a criação da primeira Carta Magna na Inglaterra, quando do reinado do famoso João Sem Terra. Naquele tempo, os reis impunham as obrigações de acordo com seus humores. Num Estado Democrático de Direito, não existe espaço para imposições de capricho. Somente uma norma emanada da Casa do Povo, após ampla discussão por quem o represente é que tem o condão de gerar obrigações.

Nossa Lei Maior, em seu Art. 146, III, alínea b, diz que somente lei complementar poderá criar tributos, bem como obrigações atinentes a eles. A Carta decana estabeleceu o princípio da legalidade para as obrigações tributárias, sejam principais e acessórias. Outra não é a conclusão que tiramos do dispositivo abaixo:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

[...]

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

Nova ordem jurídica exige novo ordenamento jurídico. Mas como produzir leis que combinem com a nova Carta Constitucional sem se arrastar anos a fio na discussão delas, enquanto isso fica o País sem qualquer controle legal? A solução emprestada por doutrinadores e tribunais é a da recepção constitucional. Aquelas normas anteriores à nova ordem que for compatível serão reconhecidas como vigentes. É o que acontece com o nosso vestuto Código Tributário Nacional.

Norma nascida como Lei Ordinária foi recepcionada por razões político-jurídicas como Lei Complementar e assim é observada, inclusive, para possíveis alterações pela nova Constituição. Todavia, isso não quer dizer que todos os seus dispositivos tenham sido recepcionados.

Agora passaremos ao tratamento direto do objeto de nosso assunto.

O CTN, em seu art. 97, elenca a fonte das obrigações tributárias, dentre as normas gerais tributárias.

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21. 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

Embora o dispositivo não dispunha especificamente sobre as obrigações acessórias, temos que entender sua abrangência, por força da interpretação sistemática com o Art. 5º, II da Constituição Federal.

Muitos autores renomados defendem a tese de que as normas infralegais podem tratar sobre obrigações acessórias a partir deste dispositivo, talvez por o Código não tratar expressamente sobre o assunto. Exemplo disso é o ensinamento de nosso renomado tributarista, Hugo de Brito Machado (2006, p.146). Nos termos do Código Tributário Nacional, esse fato gerador pode ser definido pela legislação, e não apenas pela lei. E, talvez, possamos, despretensiosamente, aludir ao equivoco dos mestres.

Mesmo quando de sua criação, em 1966, já se pode dizer que o mesmo colidia naquela disposição com a Constituição de 1969, pois entender que a fonte da obrigação acessória é toda e qualquer norma tributária estar-se-ia desprestigiando a Lei Máxima a qual diz textualmente que somente a lei pode obrigar ao particular.

Nem mesmo medidas provisórias podem criar obrigações acessórias, e é por que aquela tem força de lei, que dirá uma norma infra-legal e é assim em razão da natureza das obrigações acessórias. Ainda que não sejam as obrigações principais, em si, elas impõem comportamento ao particular e, dessa forma, não pode ser concebida a idéia de que uma obrigação pode ser criada por uma norma que não seja uma lei. Sobre o tema, vejamos o artigo interessante de André Murilo Parente Nogueira (2008, online), o qual nos esclarece esse ponto:

Com esse pensar a doutrina pátria não reconhece problemas em estabelecer a medida provisória um caráter de ato administrativo exarado do Chefe do Executivo, contudo com força de lei. Ressalte-se, que as MP’s possuem força de lei, mas lei, em seu sentido normativo e material, não o é[...].

Com o intuito de explicarmos a idéia, citemos um exemplo: a DCTF – Declaração de Contribuintes de Tributos Federais.

É uma obrigação acessória criada pela instrução normativa Nº. 129, de 19 de novembro de 1986, emanada da Secretaria da Receita Federal, obrigando pessoas jurídicas e a ela equiparadas.

O Decreto–Lei Nº. 2124/1984 autorizou o Ministro da Fazenda a instituir obrigações acessórias relativas a tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal, prevendo ainda sanções por descumprimento. Sob o mesmo fundamento, o Ministro delegou poderes ao Secretário da Receita para elaborar obrigações acessórias.

Uma obrigação que decorre de uma norma infra-legal e que ainda pode ser delegada a ocupantes de cargo de hierarquia inferior ao do principal agente competente. Essas normas não estarão obrigando os servidores da repartição pública, mas os contribuintes. Estes têm sua liberdade restrita por uma norma infra-legal. Por tudo que fora dito, é fácil ver que tal limitação vai de encontro com o comando normativo interpretado do Art. 5º, II da Constituição Federal. E ainda, na medida em que cria sanções para quem não cumpre, desprestigia o inciso XXXIX.

Souto Maior Borges (2000) lecionava que qualquer pretensão ao cumprimento das obrigações acessórias deverá estar submetida à regência da lei, e não aos de atos infralegais do Executivo.

Devemos entender que as normas infralegais devem ter seu limite de atuação apenas na repartição de origem como forma de proceder do agente. Não se pode admitir que normas erigidas sem a participação do povo possam limitar ou inovar em restrições em desfavor deste último.

Diógenes Gasparini (2006, p.258) ensina-nos justamente isto: “instrução normativa é a fórmula mediante a qual os servidores expedem normas gerais de caráter interno, que prescrevem o modo de atuação dos subordinados em relação a certo serviço.”

5 JURISPRUDÊNCIA

Conforme a jurisprudência nacional:

11364131 - HABEAS CORPUS. PROCESSUAL CIVIL. PRISÃO CIVIL. SÓCIO DE EMPRESA QUE RECUSA O ENCARGO DE DEPOSITÁRIO. NOMEAÇÃO COMPULSÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O sócio administrador de empresa não pode ser obrigado a aceitar o encargo de depositário judicial. 2. O nomeado compulsoriamente e contra a sua vontade pode se eximir do encargo. Art. 5º, II da Constituição Federal: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei. 3. Ordem concedida. (Superior Tribunal de Justiça STJ; HC 71.222; Proc. 2006/0262409-7; SP; Quarta Turma; Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa; Julg. 13/02/2007; DJU 12/03/2007; Pág. 234).

Conteúdo Correlato: CF, Art. 5.

15120851 - DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRAN. EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA. DISPOSITIVOS DE SINALIZAÇÃO REFLEXIVA. POSSIBILIDADE DE REGULAMENTAÇÃO POR MEIO DE RESOLUÇÃO. RESOLUÇÃO Nº. 105/99. LEGALIDADE. 1. No sistema brasileiro somente a Lei pode criar obrigação, conquanto, às instâncias do princípio da legalidade, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei e o seu objetivo é o de cingir os poderes do Estado à Lei, no sentido de norma primária, emanada do Poder Legislativo, expressando, assim, garantia do cidadão nas suas relações com os órgãos exercentes das atribuições estatais. 2. Nos termos da Lei Nº. 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, o CONTRAN tem competência - com exclusão de qualquer outro órgão do Sistema Nacional de Trânsito -, para baixar normas regulamentares tratando de dispositivos de sinalização e de dispositivos e equipamentos de trânsito, sendo certo que, ao baixar referida Resolução não extrapolou dos limites de suas atribuições e o fez com base em autorização constante da Lei, não havendo falar em quebra da legalidade. Na verdade, referido órgão funciona como instância normativa, donde emanam normas dirigidas a outros órgãos do sistema alhures mencionado e, no caso da referida Resolução, não ocorreu, objetivamente, abuso ou arbítrio no uso da competência legal outorgada pelo Poder Legislativo. 3. O CONTRAN não extrapolou do limite de suas atribuições ao estabelecer, por meio de Resolução, normas sobre o uso obrigatório de faixas reflexivas em toda a extensão das laterais, da traseira e das extremidades do pára-choque traseiro dos veículos de transporte de cargas. 4. Apelação a que se nega provimento. (TRF 03ª R.; AC 835874; Proc. 2000.61.14.003004-0; SP; Turma Suplementar da Segunda Seção; Rel. Juiz Fed. Conv. Valdeci dos Santos; DJU 29/06/2007; Pág. 695).

54155063 - EMBARGOS DE TERCEIRO. AVAL PRESTADA SEM OUTORGA UXÓRIA. VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PRESCINDIBILIDADE DA VÊNIA CONJUGAL NO REGIME ANTERIOR. SUBSISTÊNCIA DA PENHORA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. Antes da vigência do Código Civil de 2002, a vedação à prestação de aval sem a autorização do outro cônjuge além de não ser expressa, tampouco existia. O Art. 5º, inciso II, da Constituição prescreve o Princípio da Legalidade, segundo o qual, no campo do Direito Privado, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei. Não tendo as normas estabelecidas à época dos fatos previsto a necessidade de autorização do cônjuge para a prestação do aval, não pode ser tal regra aplicada a casos anteriores à vigência do Código Civil de 2002. (TJ-MG; AC 1.0105.06.183501-0/001; Governador Valadares; Décima Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Nilo Lacerda; Julg. 18/04/2007; DJMG 28/04/2007).

52013369 - APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE PERDAS E DANOS. CHEQUES SUSTADOS POR MOTIVO DE ROUBO. SOLICITAÇÃO EXPRESSA DO CORRENTISTA. APRESENTAÇÃO DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE DE INFORMAÇÃO AOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO A ENSEJAR ATO ILÍCITO PRATICADO PELO BANCO. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, II DA CF. APELAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. A sustação de cheque será realizada mediante solicitação escrita do interessado, com as razões motivadoras do ato, não cabendo à instituição financeira a análise da conveniência ou oportunidade de acatar a contra-ordem. - Diante da ausência de previsão legal, não há como responsabilizar o banco pela informação, aos órgãos de proteção ao crédito, da ocorrência de sustação por roubo. - Art. 5º, inc. II da CF: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei. (TJ-MT; RAC 88138/2006; Várzea Grande; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Alberto Pampado Neto; Julg. 26/02/2007).

13196281 - TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INSTITUIÇÃO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO E TRIBUTOS FEDERAIS. DCTF. MEDIANTE A INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 129/86. ILEGALIDADE. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Esta matéria já foi tratada diversas vezes por esta egrégia Corte que se manifestou no sentido de que ofende o princípio da legalidade a instituição de obrigação tributária acessória mediante Instrução Normativa, por delegação do Secretário da Receita Federal, através de Portaria baixada pelo Ministério da Fazenda. 2. Apelação e remessa oficial não providas. 3. Peças liberadas pelo Relator, em 05/06/2007, para publicação do acórdão. (TRF 01ª R.; AMS 1999.38.00.036545-5; MG; Sétima Turma; Rel. Juiz Fed. Conv. Rafael Paulo Soares Pinto; Julg. 05/06/2007; DJU 22/06/2007; Pág. 76).

11370292 - TRIBUTÁRIO. PRÁTICA DE ATO MERAMENTE FORMAL. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DCTF. MULTA MORATÓRIA. CABIMENTO. I - A inobservância da prática de ato formal não pode ser considerada como infração de natureza tributária. De acordo com a moldura fática delineada no acórdão recorrido, deixou a agravante de cumprir obrigação acessória, razão pela qual não se aplica o benefício da denúncia espontânea e não se exclui a multa moratória. As responsabilidades acessórias autônomas, sem qualquer vínculo direto com a existência do fato gerador do tributo, não estão alcançadas pelo art. 138, do CTN (AGRG no AG nº 490.441/PR, Relator Ministro Luiz FUX, DJ de 21/06/2004, p. 164). II - Agravo regimental improvido. (Superior Tribunal de Justiça STJ; AgRg-EDcl-REsp 885.259; Proc. 2006/0198165-8; MG; Primeira Turma; Rel. Min. Francisco Cândido de Melo Falcão Neto; Julg. 27/02/2007; DJU 12/04/2007; Pág. 246).

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13196773 - TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. AGRAVO RETIDO. APELAÇÃO CIVIL. REMESSA OFICIAL. AUSÊNCIA DE ENTREGA DE DCTF. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INEXISTÊNCIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEFINITIVAMENTE CONSTITUÍDO. 1. A obrigação acessória, para obstar a expedição de certidão negativa de débitos, deve primeiro ser convertida em obrigação principal (art. 113, § 3º, CTN) e depois estar definitivamente constituída como crédito em favor da Fazenda Nacional. 2. Não obstante a obrigação tributária nascer com a ocorrência do fato gerador, o crédito tributário somente se formaliza, tornando-se exigível, com o lançamento, nos termos do art. 142 e seguintes do Código Tributário Nacional, não havendo, antes disso, razões ou motivos aptos a impedir a expedição de Certidão Negativa de Débitos. 3. Instrução Normativa é diploma ineficaz para disciplinar matéria relativa às obrigações tributárias, sujeitas à reserva legal. 4. Agravo retido e apelação da Fazenda Nacional a que se nega provimento. 5. Remessa oficial a que se nega provimento. Sentença mantida. (TRF 01ª R.; APL-MS 2005.38.00.038995-1; MG; Oitava Turma; Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso; Julg. 13/03/2007; DJU 22/06/2007; Pág. 173).

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49097755 - APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 0. 1. Preliminar rejeitada: não se há de reclamar de cerceamento de defesa, se ao juiz, a demanda pareceu suficientemente instruída para a prestação jurisdicional, mesmo porque as partes expressamente manifestaram o desinteresse da prova oral. Constantes dos autos os elementos de prova suficientes para formar o convencimento do julgador inocorre cerceamento de defesa, se julgada a controvérsia de plano, ainda que tenha havido contestação quanto ao valor principal da dívida. 02. Mérito: A) Depreende-se dos autos que a CDA - Cédula de Dívida Ativa - não padece de nulidade, uma vez que preenchidos os requisitos legais, já que verifica-se nesta o discriminativo de origem do débito, indicando ainda como fundamento legal dos juros o art. 577 do RCTES, restando também apresentado a forma de calcular de multa, onde se aplicou o art. 77, inciso I, alínea b da Lei nº 2.964/74; B) A multa moratória não tem caráter de confisco de bens, mas tem caráter punitivo, com suporte em Lei, visando reprimir o inadimplemento de uma obrigação tributária (principal ou acessória). Assim se a multa é prevista em Lei Estadual, legal é a sua cobrança; C) No que tange a redução do percentual cobrado pelo Estado à título de multa moratória, deve-se aplicar a Lei Estadual de nº 7000/2001, mais especificamente no art. 75, § 1º, inciso I, que em suma, reduz o percentual da multa moratória para 40% (quarenta por cento), já que o art. 106 do CTN admite a retroatividade da Lei mais benigna, nos casos definitivamente não julgados; D) Recurso parcialmente provido. (TJ-ES; AC 011.99.027560-1; Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Elpídio José Duque; Julg. 04/07/2006; DJES 16/08/2006).

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64150652 - EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. INOVAÇÃO DA MATÉRIA. ARTS. 515, § 1º C/C 517 DO CPC. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. NOTIFICAÇÃO FISCAL. TRANSPORTE DE MERCADORIA SEM DOCUMENTO FISCAL. RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR PELO PAGAMENTO DO ICMS E DA MULTA. APELO NÃO CONHECIDO EM PARTE. RECURSO DESPROVIDO. Não se pode conhecer, no Juízo de apelação, de matéria não ventilada, oportunamente, no primeiro grau de jurisdição, sob pena de quebra do princípio do duplo grau de jurisdição. Não há cerceamento de defesa se for desnecessária a produção da prova pretendida (RESP. 226064/CE, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 29.9.2003). O transportador é responsável pelo pagamento do ICMS em relação às mercadorias transportadas sem documentação fiscal. A multa é obrigação acessória exigível independentemente do recolhimento da obrigação principal. É infração tributária que pune o fato de se transportar mercadoria sem documentação fiscal, sem cogitar da intenção do agente (AP. Cív. Nº 45.577, Des. Amaral e Silva). Somente prova robusta, verossímil e inconcussa pode impor a rejeição da Certidão de Dívida Ativa, a qual inexiste na espécie. (TJ-SC; AC 2000.021808-1; Itapema; Segunda Câmara de Direito Público; Rel. Des. Francisco José Rodrigues de Oliveira Filho; Julg. 09/02/2004)

Pelos exemplos acima colacionados, embora não se possa ver a unanimidade, vemos que há uma curvatura para o entendimento de que as obrigações acessórias só podem ser criadas por meio de lei.

CONCLUSÃO

A criação de obrigações acessórias por meio de normas infralegais é inconstitucional, vez que cria regras de conduta com imposição de sanção por descumprimento em que a competência é reservada à Lei em sentido estrito. O Art. 97 do CTN deve ser entendido dentro da sistemática constitucional que em face da Constituição de 1988 que em seu Art. 5º, II prevê que ninguém faz ou deixa de fazer qualquer coisa senão em razão de lei, e somente lei pode culminar pena pelo seu descumprimento de obrigação legal.

A legislação tributária para questões de imposição de normas de comportamento ao contribuinte deve ser entendida como a lei em sentido estrito, pois somente lei pode dizer o que pode ou não o particular fazer. Isso é o princípio de Estado de Direito.

As normas infralegais devem servir apenas para melhorar a interpretação da norma, nunca para criar regras de conduta, sobretudo autorizando a criação de penalidades para seu cumprimento.

REFERÊNCIAS

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CRETELLA JÚNIOR, José; CRETELLA NETO, José. 1000 Perguntas e respostas de direito tributário. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

DELLA SANTA, Antonio; MARINI, Bruno. Considerações sobre a constitucionalidade ou não da DIF – papel imune: obrigação acessória estabelecida pela Receita Federal em face das gráficas. Jus Navegandi, Teresina, ano 10, Nº. 1141, 16.08.2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8767>. Acesso em: 07 fev. 2008.

FILIZOLA, Cíntia; VILELA, Paula. Declaração de contribuições e tributos federais (DCTF). pode ser instituída por atos infralegais? E quanto à penalidade pecuniária? Jus Navegandi, Teresina, ano 8, Nº. 234, 27 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4893>. Acesso em: 27 fev. 2008.

GAPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

IURCONVITE, Adriano dos Santos. O princípio da legalidade na Constituição Federal. Disponível em: <http://www.abdir.com.br/doutrina/ver.asp?art_id=650&categoria=constitucional>. Acesso em: 18 out. 2006.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 10ª. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

NOGUEIRA, André Murilo Parente. As Medidas provisórias e os tributos. Rio de Janeiro. Disponível em: . Acesso em: 21 mar. 2008.

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SOBRAL, Ricardo Kublinsky. Obrigação tributária acessória. Uma análise epistemológica. São Paulo: Associação Paulista de Estudos Tributários, 2007.

ZOCKUN, Mauricio. Regime jurídico da obrigação tributária acessória. São Paulo: Malheiros, 2005.



[1] Advogado graduado e pós-graduado em Direito e Processo Tributário pela Universidade de Fortaleza; Procurador adjunto do município de Quixadá.

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