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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A DEFESA DA CONCORRÊNCIA NUMA PERSPECTIVA LUSO - BRASILEIRA

Introdução

Vive-se numa sociedade de mercado. O Capitalismo venceu a tese do socialismo, ao menos na prática. A totalidade dos países, excluindo aqueles poucos que não admitem, vivencia uma realidade capitalista, de mercado. As sociedades modernas estão adstritas hoje à realidade do consumo, sendo este fruto das necessidades dos indivíduos que a compõem. A Economia se ocupa em estudar meios de manter esse consumo em equilíbrio de forma que as demandas e as ofertas persistam de forma sustentável. Inegável, pois, o papel das empresas já que estas intermediam o desejo e o alcance dos consumidores junto a produtos de primeira e última necessidade. O comércio, como sempre continua sendo a mola de propulsão das relações sociais e, mais que nunca, dentro do ambiente global, de interação entre os países. O Direito em sua seara procura regular os comportamentos dos envolvidos no mercado, sejam fornecedores de bens e serviços, sejam os consumidores.
O mais natural evento a se perceber nessa relação é a concorrência. Fato jurídico, perfeitamente defectível, porque ela trata da relação entre agentes econômicos, enquanto conviventes no mercado e disputadores de consumidores. É, assim, uma realidade inafastável das relações comerciais que demonstra que vários indivíduos se interessam em produzir e comercializar. E mais que normal, é a comercialização de produtos similares, idênticos, iguais por fornecedores distintos. As riquezas estão a disposição de todos, logo muitos podem vender o mesmo produto. Se só houvesse a possibilidade de apenas um vender um determinado bem, então não se falaria em concorrência.
É salutar a concorrência, pois é nela que os consumidores se beneficiam. Os concorrentes procuram vender mais, ora oferecendo mais qualidade, ora oferecendo preços mais baixos. A demanda e a oferta se fazem dentro de custos e receitas marginais que vão se alterando à medida que essa concorrência procura ganhar fatias do mercado consumidor trabalhando em cima de melhorias de seu produto ou na redução de custos que possa garantir preços mais baixos que atraiam os compradores potenciais. Como bem assinala Abel M. Mateus a economia de mercado é essencial para o funcionamento da sociedade. Na mesma linha, diz o renomado professor português, promover e preservar a concorrência é proteger um bem público.
Por outro lado, e, portanto, se faz necessária a regulação por parte do Direito, casos existem em que o empresário na sanha de aumentar seus lucros a qualquer custo procuram prejudicar esse bem público.
Realizam fraudes fiscais para reduzir seus custos, entram em acordo com outros concorrentes ou até mesmo procuram eliminar totalmente a concorrência através de expedientes que prejudicam no final a própria sociedade.
Necessária se faz a defesa da concorrência, através de mecanismos legais que possam coibir práticas que tencionem quebrar o equilíbrio do mercado, alavancando prejuízos para a sociedade como um todo.
O objetivo desse trabalho é estudar a realidade da concorrência no Brasil e em Portugal, vislumbrando o Direito Comunitário e o Mercosul, analisando a legislação e apontamentos doutrinários.

1. A Regulamentação da Concorrência.

1.1. Brasil

No Brasil a concorrência é regulamentada em primeiro plano pela Constituição Federal em seu artigo 173, §4º que determina a repressão a qualquer tipo de abuso de poder econômico que tencione dominar mercados, eliminar a concorrência e o aumento arbitrário de lucros.
Pode-se dizer que a Constituição Brasileira tipificou os fatos jurídicos que devem ser tutelados pelo Estado e orienta sua atuação no sentido de evitar tais práticas, como acentua Fábio Ulhoa Coelho .
No campo infraconstitucional a regulamentação fica a cargo da Lei 8.884/1994 nominada como Lei Antitruste. Essa norma trata da prevenção e repressão às infrações de ordem econômica e especialmente da concorrência.
Os artigos que tratam dos casos tipificados que infringem o direito da concorrência são os artigos 20 e 21.



1.2. Mercosul

No Mercosul a regulamentação inicialmente se deu com a Decisão n. 21/94 e Anexo do Conselho do Mercado Comum que trata da defesa da Concorrência. Existem outras decisões e resoluções que tratam da matéria, mas a mais atual é a Decisão n. 43/10 que dispõe sobre o acordo de defesa da concorrência entre os países do bloco.

1.3. Portugal.

Em Portugal, a regulamentação da defesa da concorrência fica por conta da Lei 18/2003 de 11 de junho. Esta lei revogou o Decreto – Lei 371/93, de 29 de Outubro que tratava antes da matéria. Os artigos que tratam do assunto são os 4º e seguintes.
Além dessa norma, registre-se que a Constituição da República de Portugal em seu art. 81 dispunha sobre a defesa da concorrência.
1.4. Direito Comunitário

Pelo Direito Comunitário, a regulamentação toma forma pelo próprio Tratado da União Européia que em seus artigos 81º e seguintes tratam dos casos que podem ser reprimidos em sede de concorrência.
O Direito Comunitário tem forte influência sobre o direito interno português, havendo casos mesmo em que suas diretrizes superam o ordenamento jurídico nacional. Traduz-se a assertiva na implicância da entrada de Portugal na União Européia, onde todos os países contratantes cederam parte de sua soberania jurídica para o bloco.

2. Órgãos Competentes

2.1. Brasil

No Brasil o órgão encarregado de fiscalizar e reprimir condutas que importem em ferimento do Direito da Concorrência é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, conforme se depara da leitura do art. 3º da Lei 8884/94 , com as competências que lhe são atribuídas por força do art. 7º.
Este órgão, que tem natureza jurídica de Autarquia, pessoa jurídica de direito público interno, faz parte da Administração Pública e suas decisões e sanções são de cunho administrativo. Contudo, por força do art. 60 daquele diploma legal, as decisões do órgão tem força de título executivo extrajudicial, podendo ser executadas pela via judicial.
O Poder Judiciário só é acionado na possibilidade de reparação de danos por prejuízos sofridos pelos concorrentes em face da concorrência desleal, como bem ensina Coelho ou ainda no caso de processamento de crime nos termos da Lei n. 1.521, de 26-12-1951 (Lei dos Crimes Contra a Economia Popular).

2.2. Mercosul

Nos termos da Decisão n. 59/00 do Conselho do Mercado Comum do Mercosul, o órgão competente para fiscalizar os assuntos referentes a concorrência é a Comissão de Comércio do Mercosul que conta com comissão técnica especializada em Defesa da Concorrência, conforme salienta o art. 8º daquele instrumento comum.

2.3. Portugal.

A Autoridade da Concorrência é quem encampa o trabalho de fiscalizar e reprimir as infrações à lei da concorrência. Nos termos da Lei 18/2003, art. 14º cabe àquele órgão assegurar o respeito às regras de defesa da concorrência. Seu trabalho é desenvolvido com auxílio das autoridades reguladoras.
Tal qual o Brasil, os órgãos do Poder Judiciário são provocados em caso de reparação de danos por responsabilidade extracontratual em face de prejuízos oriundos das práticas abusivas, ou quando há repressão penal. Mas são também provocados quando há de ser aplicada norma de Direito Comunitário não observada pelas autoridades nacionais.

2.4. União Européia

Em nível de União Européia, a Comissão Européia junto com o Tribunal de Justiça Europeu cuidam da aplicação das normas comunitárias junto aos países membros, dentre elas as atinentes ao direito de concorrência.
Dispõe o art. 85º do Tratado da União Européia que a Comissão velará pelos princípios encartados nos artigos 81º e 82º.

3. Noção de Mercado Relevante

Importante se faz definir mercado relevante, vez que a legislação, seja em Brasil, seja em Portugal adota a noção para efeitos de aplicação das normas e verificação dos efeitos das práticas proibidas.
Tem-se por mercado relevante a delimitação geográfica e material onde as práticas concorrenciais se verificam. No ensinamento de Coelho é feita em dois níveis: geográfico e material.
A nível geográfico faz-se referência ao espaço onde se darão as práticas. Se junta a essa noção a de territorialidade de aplicação das normas concorrenciais. Agora, como bem indica o autor já citado não se faz necessária que as práticas tenham efeito em todo o território nacional, ou no bloco comunitário, Mercosul e União Européia. Bastante é que se verifique em parte dele.
Pelo nível material, o referencial é o consumidor. Quando as práticas indevidas passam a prejudicar o consumidor, dentro de um mercado delimitado de certos produtos, as práticas devem ser reprimidas. São casos de aumento abusivo de preços, falta de produtos no mercado.
A noção de mercado relevante é essencial ainda para análise dos casos de abuso de posição dominante, quando uma ou mais empresas se valem de sua posição e importância no mercado para eliminar a concorrência, abusar de seu poder econômico ou aumentar arbitrariamente seus lucros.

4. Práticas Proibidas

Com efeito, textualiza o art. 4º da Lei 18/2003 que serão proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas, qualquer que seja a forma que se revistam, que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional. O mesmo dispositivo elenca uma série de hipóteses em que aquelas práticas possam se configurar.
Os acordos entre empresas podem ser expressos ou tácitos, embora na prática se constate que as empresas não registram tais acertos, até porque fariam prova de atos ilícitos.
As decisões de associações de empresa são deliberações de empresas que se associam formal ou informalmente para atuar no mercado. Tais decisões quando também tenham como objetivo impedir, falsear ou restringir a concorrência poderá acarretar sanções aos praticantes.
As práticas concertadas são os atos exercidos entre empresas que podem acarretar danos à concorrência, também.
Pelo Direito Português, todavia, não serão punidas as práticas desde que se justifiquem na forma do art. 5º da aludida lei. Nos termos do artigo serão justificadas as práticas que contribuam para melhorar a produção ou a distribuição de bens e serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou econômico. O dispositivo em suas alíneas preveem outros tópicos que devam se cumular com os do caput do artigo para poderem se considerar justificadas, como por exemplo, reservar aos utilizadores dos bens ou serviços uma parte equitativa do benefício que resultar da prática.
Já para o ordenamento jurídico brasileiro, quaisquer condutas que tencionem limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, dominar mercado relevante de bens ou serviços, aumentar arbitrariamente os lucros e exercer de forma abusiva posição dominante, serão consideradas infrações à lei antitruste, conforme art. 20 da Lei 8884/94.
No Direito Brasileiro existe a forma da justificação, de maneira que as condutas poderão ser toleradas, desde que presentes os requisitos do art. 54, §1º da lei 8884/94 . Ressalta-se que todo e qualquer comportamento terá de ser analisado se de alguma forma atingiram em termos práticos o disposto do art. 20 da lei 8884/94 que se coaduna com o art. 173, §4º da Constituição Federal Brasileira.
Outra prática vedada é a de posição dominante abusiva, quando uma empresa ou mais de duas utilizem de sua supremacia para dominar o mercado. Nos termos do art. 6º da Lei 18/2003 haverá posição dominante por parte de uma ou mais empresas concertadas que não tenham concorrência significativa ou que tenham preponderância sobre os demais concorrentes.
Segundo Pedro Olavo Cunha a posição dominante pode ser abusiva quer exista concertação, ou não.
A dependência econômica abusiva, outra prática não permitida, se dá quando uma ou mais empresas exploram abusivamente suas dependentes, conforme leitura do art. 7º da Lei 18/2003.
A vedação aos auxílios de Estado, prevista no art. 13º, n.1 daquela Lei, guarda harmonia com as disposições do Tratado da União Européia de seu art. 87º, tendo como escopo a proteção do mercado comum, sendo incompatível a permissibilidade de auxílios dos Estados que possam beneficiar seus mercados em detrimento de outros em razão de concessão de auxílios. Só serão permitidas as indenizações compensatórias em contrapartida de prestação de serviço público.
A concentração de empresas é proibida, desde que venha produzir os efeitos previstos no caput do art. 4º da lei portuguesa. Previamente, quando houver a concentração, caracterizada pela fusão de duas ou mais empresas, controle por uma ou mais pessoas de uma empresa, e aquisição de controle direto ou indireto de empresa, deverá haver a notificação para que a Autoridade da Concorrência tome conhecimento. A ausência de notificação poderá acarretar a ineficácia dos atos. O controle é consequência de qualquer ato, seja qual a for a forma de que se revista, isolado ou em conjunto que possibilite influência sobre a direção da empresa. Pode se dar através de aquisição de parte ou de todo o capital social, controle de ativo liquido e ação preponderante sobre os órgãos da empresa. Não será considerada concentração a recuperação de empresas ou pagamento de créditos.
No direito brasileiro, o art. 54 da Lei 8884/90 também veda a concentração econômica de empresas que visem limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços.

5. A Clemência no Direito da Concorrência

A clemência no ordenamento jurídico luso está prevista na Lei 39/2006 de 25 de agosto. Este instituto se constitui em dispensa ou atenuação de penas oriundas de processo de contra-ordenação por práticas de infrações às normas de defesa da concorrência para aqueles que colaborarem com as autoridades fiscalizantes no esclarecimento e imputação de responsabilidade sobre as práticas desleais. Segundo Ana Paula Alves de Sousa Silva Calhau vem a ser um instrumento de inegável importância para a luta contra os cartéis.
Este instituto não é previsto no ordenamento jurídico brasileiro para efeitos de direito da concorrência.

Conclusão

Numa economia de mercado imprescindível se faz a defesa da concorrência. Afinal a concorrência é um bem público de grande valor, sendo através dela que a sociedade se beneficia.
Não é qualquer prática que pode ser considerada danosa à concorrência, senão aquelas que afetem sensivelmente os mercados, prejudicando outras empresas e a própria sociedade.
Para o direito brasileiro, os efeitos indesejados são prejuízos à livre concorrência ou a livre iniciativa, domínio de mercado relevante de bens ou serviços, aumento arbitrário de lucros e exercício de forma abusiva de posição dominante.
Já no direito português que não destoa tanto do brasileiro seria atuações que tenham como objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional.
Em ambos os países existem órgãos estatais com atribuições específicas para fiscalizar e impor sanções aos infratores, sendo o Poder Judiciário provocado para aplicação de sanções penais, ou apreciação de reparações civis em face das violações ao direito de concorrência.
Em termos de Direito Comunitário, o Direito Europeu está na vanguarda da defesa da concorrência, tendo aplicação sobrepujante sobre o direito interno dos países membros. Pelo lado do Mercosul, embora mais recente, decisões do Conselho do Mercado Comum, têm sido implementadas nos países participantes com o feito de coibir práticas que atentem contra a livre concorrência.
Ressalte-se ainda o instrumento da clemência instituído no direito concorrencial português que vem a ser de suma estima para auxiliar ao combate às práticas de concorrência desleal ou ilícita. Instituto aliás que poderia ser acolhido tanto pelo Direito comum do Mercosul, quanto pelo Direito brasileiro.

Referências Bibliográficas

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